[#1] REABSORÇÃO E SECREÇÃO TUBULAR: TRANSPORTE TRANSEPITELIAL

Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "[#1] REABSORÇÃO E SECREÇÃO TUBULAR: TRANSPORTE TRANSEPITELIAL".

TRANSCRIÇÕESSISTEMA RENAL

Mirian Kurauti

10/2/202411 min read

A filtração glomerular inicia a formação da urina nos néfrons. Mas se a formação da urina dependesse apenas desse processo, a urina sempre teria a mesma concentração que a parte líquida do sangue, ou seja, a mesma concentração que o plasma. Porém, você deve saber que a concentração da urina pode variar de acordo com as necessidades do organismo, e isso é possível graças aos outros dois processos que determinam a formação da urina: reabsorção e secreção. Então bora começar a falar sobre esses dois processos?

E aí pessoal, tudo bem com vocês?

Pra quem tá chegando agora, eu sou Mirian Kurauti, professora, mestre, doutora, e criadora do canal MK Fisiologia, um canal que tem como principal objetivo descomplicar a fisiologia humana. Porque como eu sempre digo, fisiologia não precisa ser difícil. Então se você tá precisando entender de verdade a fisiologia, já se inscreve no canal e ative as notificações pra você não perder os próximos vídeos que a gente postar por aqui.

Bom, agora sem mais delongas, bora começar a falar sobre a reabsorção e a secreção tubular.

Como vimos em um vídeo anterior, embora as barreiras de filtração glomerular, impeçam a filtração de células, plaquetas e a maioria dos grandes solutos como as proteínas; água e pequenos solutos, como a glicose, os aminoácidos e os íons, podem ser filtrados livremente, e o líquido filtrado apresenta basicamente a mesma concentração de água e de pequenos solutos que o plasma. Portanto, a filtração não é um processo muito seletivo.

Além disso, lembre-se que diariamente podem ser filtrados em torno de 180 litros de líquidos, e se tudo isso fosse eliminado ou excretado na urina, a gente teria que tomar 180 litros de líquidos todos os dias, ou seja, a gente ia passar o dia todo bebendo água.

Mas graças a reabsorção que ocorre ao longo dos túbulos dos néfrons, isso não acontece e quase toda água e a maioria dos pequenos solutos filtrados, podem voltar pra circulação sanguínea, através de mecanismos de transporte específicos que podem selecionar o que deve ser reabsorvido de acordo com as necessidades do organismo.

Além disso, alguns solutos como a ureia, podem sofrer secreção ao longo dos túbulos dos néfrons, um processo que é basicamente o contrário da reabsorção, em que os solutos podem ser transportados dos capilares peritubulares pro interior dos túbulos dos néfrons através de mecanismos de transporte específicos que podem selecionar o que deve ser secretado de acordo com as necessidades do organismo.

Assim, tanto a reabsorção quando a secreção que acontece ao longo dos túbulos dos néfrons, são processos que dependem de mecanismos de transporte específicos que acontecem através da camada de células epiteliais que formam a parede dos túbulos dos néfrons, ou seja, através do epitélio tubular. Por isso, em conjunto, esses mecanismos de transporte podem ser chamados de transporte transepitelial.

Então, pra entender a reabsorção e a secreção tubular, a gente precisa revisar os mecanismos de transporte transepitelial.

O epitélio tubular é formado por uma camada de células epiteliais que podem ser diferentes em cada parte dos túbulos dos néfrons. Mas embora essas células sejam diferentes, todas elas são ligadas umas às outras por junções de oclusão, formadas por proteínas específicas presentes nas membranas dessas células.

Além de unirem as células epiteliais umas às outras, as junções de oclusão separam a membrana apical que fica voltada pro interior do túbulo, ou seja, pro lúmen do túbulo, da membrana basolateral que fica voltada pro espaço intersticial do rim ou interstício renal, onde passam os capilares peritubulares que irrigam os túbulos dos néfrons.

Agora, uma informação importante que você deve ter em mente é que em cada parte dos túbulos dos néfrons o epitélio tubular pode ter características diferente nas suas junções de oclusão, e nas suas membranas apicais e basolaterais. Por isso em cada parte desses túbulos podem ocorrer processos de reabsorção e secreção específicos.

Por exemplo, no túbulo proximal as junções de oclusão são mais fracas e permitem o vazamento de água e pequenos solutos como os íons. Por isso, esse tipo de epitélio é chamado de epitélio de vazamento ou epitélio leaky.

Nesse tipo de epitélio, água e íons podem ser transportados através das junções de oclusão, ou seja, entre as células epiteliais, por uma via de transporte que a gente chama de via intercelular ou paracelular.

A direção do transporte por essa via, vai depender da diferença de concentração ou gradiente de concentração (gradiente químico) da água e dos íons entre o líquido filtrado que tá passando no lúmen do túbulo e o líquido extracelular que preenche o interstício renal.

Além disso, pra solutos que apresentam cargas elétricas como é o caso dos íons, a direção do transporte também depende da diferença de potencial elétrico ou do gradiente elétrico, que nada mais é do que a diferença de voltagem entre os dois lados do epitélio.

Por exemplo, se um lado, por algum motivo, apresentar mais cargas negativas, a sua voltagem será mais negativa do que o outro lado do epitélio, gerando uma força elétrica que empurra íons negativos, ou seja, que empurram os ânions como o íon cloreto pro outro lado do epitélio menos negativo, ou seja, mais positivo, através da via paracelular.

Como o transporte pela via paracelular é determinado principalmente pelo gradiente de concentração, a concentração de água e íons, tende a se igualar entre os lados do epitélio, e não é possível produzir uma urina com concentração de água e íons muito diferente da concentração do plasma.

Porém, ao contrário dos túbulos proximais, os túbulos finais dos néfrons, principalmente os túbulos distais, túbulos conectores e ductos coletores, apresentam junções de oclusão mais fortes entre as células epiteliais que não deixam passar nem água e nem íons, e esse tipo de epitélio é chamado de epitélio firme ou epitélio tight.

-Ah então nesse caso, não vai ter transporte nem água e nem de solutos através desse tipo de epitélio, certo?

Na verdade, lembre-se que o transporte transepitelial não ocorre apenas pela via paracelular através das junções de oclusão, o transporte epitelial também pode ocorrer através das células epiteliais, ou seja, a água e os solutos podem atravessar as duas membranas dessas células, as membranas apicais e basolaterais pra ocorrer a reabsorção, ou o contrário, as membranas basolaterais e apicais pra ocorrer a secreção.

Quando o transporte acontece através das células epiteliais, a gente fala que o transporte acontece pela via transcelular, e essa via de transporte acontece não apenas no epitélio firme, mas também no epitélio de vazamento que encontramos nos túbulos proximais. Reparem que nessa via, a água e os solutos precisam atravessar as membranas das células epiteliais.

-Mas como exatamente a água e os solutos atravessam essas membranas?

A resposta pra essa pergunta é: depende. Depende principalmente da capacidade da da água e dos solutos de interagir com membrana celular que lembra, é uma bicamada de lipídeos, é uma bicamada de gordura.

Então, o que for solúvel nessa bicamada de lipídeos, ou seja, o que for apolar ou hidrofóbico, pode interagir com a bicamada de lipídeos e atravessar as membranas por difusão simples, a favor do seu gradiente de concentração, ou seja, do mais concentrado para o menos concentrado, e o que não for solúvel nessa bicamada de lipídeos, ou seja, o que for polar ou hidrofílico, vai precisar de proteínas de transporte ou proteínas transportadoras nas membranas apicais e basolaterais das células epitelial.

Dentre essas proteínas transportadoras, lembra que a gente pode ter proteínas canais, que formam buracos ou poros na membrana celular, formando como se fosse um túnel por onde pequenas moléculas polares ou hidrofílicas específicas podem passar por difusão facilitada, a favor do seu gradiente de concentração ou gradiente eletroquímico, no caso dos íons.

Moléculas polares ou hidrofílicas maiores não passam por proteínas canais e precisam de um outro tipo de proteínas transportadores, as proteínas carreadoras. Diferente das proteínas canais, essas proteínas não formam um poro na membrana, e pra essas proteínas transportarem uma molécula de um lado pro outro da membrana, a molécula deve se ligar em um sítio específico da proteína carreadora, pra ela alterar a sua forma, ou seja, pra ela alterar a sua conformação, carregando a molécula pro outro lado da membrana.

E não se esqueça que esse tipo de proteína carreadora pode carregar apenas uma molécula sendo, portanto, considerado um uniportador, ou mais de uma molécula sendo, portanto, considerado um multiportador.

Dentre os multiportadores, alguns transportam duas ou mais moléculas na mesma direção sendo, portanto, considerados simportadores, enquanto outros transportam duas ou mais moléculas em direção opostas sendo, portanto, considerados antiportadores ou simplesmente trocadores.

Além disso, é importante lembrar que alguns uniportadores e multiportadores podem realizar transporte passivo, ou seja, por difusão facilitada, em que o transporte acontece a favor do gradiente de concentração ou do gradiente eletroquímico, no caso dos íons.

Um exemplo desse tipo de transporte é realizado pelo uniportador que transporta a glicose a favor do seu gradiente de concentração, conhecido como transportador de glicose ou GLUT.

Outros uniportadores e multiportadores realizam transporte ativo primário, quando a proteína carreadora tem atividade ATPase, isto é, quando ela consegue “quebrar” uma molécula de ATP e utilizar a energia dessa “quebra” pra realizar um transporte contra o gradiente.

Um exemplo desse tipo de transporte é realizado pelo multiportador que transporta sódio e potássio contra os seus gradientes eletroquímicos, conhecido como Na+/K+ ATPase ou Bomba de Na+/K+.

Além disso, outros multiportadores realizam transporte ativo secundário, quando a proteína carreadora transporta pelo menos uma molécula a favor do seu gradiente, pra impulsionar o transporte de uma ou mais moléculas contra o seu gradiente.

Um exemplo desse tipo de transporte é realizado pelo multiportador que transporta sódio a favor do seu gradiente eletroquímico pra impulsionar o transporte da glicose contra o seu gradiente de concentração, conhecido como transportador de sódio e glicose ou SGLT.

Então, é basicamente por meio desses mecanismos de transportes que a água e os solutos podem atravessar as membranas apicais e basolaterais das células epiteliais pra serem reabsorvidos ou secretados.

Agora, o que exatamente vai ser reabsorvido ou secretado pela via transcelular, vai depender das proteínas transportadoras presentes nas membranas apicais e basolaterais das células epiteliais de cada parte dos túbulos dos néfrons.

Por exemplo, nas células epiteliais dos túbulos proximais, encontramos na membrana basolateral muitas bombas de Na+ K+ realizando transporte ativo primário, ou seja, quebrando ATP pra transportar Na+ e K+ contra os seus gradientes de concentração, mantendo assim altas concentrações de K+ e baixas concentrações de Na+ no interior das células epiteliais.

Ao mesmo tempo, na membrana apical, encontramos transportadores de sódio e glicose (SGLT) realizando transporte ativo secundário, ou seja, transportando o sódio a favor de seu gradiente eletroquímico pra impulsionar o transporte de glicose contra o seu gradiente de concentração.

O Na+ que entra na membrana apical, sai pela membrana basolateral através da bomba de Na+/K+, e a glicose que entra na membrana apical, sai pela membrana basolateral por um transportador de glicose GLUT que realiza um transporte passivo, uma difusão facilitada, a favor do gradiente de concentração da glicose.

Então aqui a gente tem um mecanismo de reabsorção de sódio e glicose que acontece nas células epiteliais dos túbulos proximais, graças a presença de proteínas transportadoras específicas na membrana apical e basolateral.

Assim, é importante ter em mente que os mecanismos de reabsorção e também de secreção que acontece ao longo dos túbulos dos néfrons é determinado pelos tipos de proteínas transportadoras presentes nas membranas apicais e basolaterais das células epiteliais das diferentes partes dos túbulos dos néfrons.

Nos próximos vídeos, a gente vai falar sobre os mecanismos de reabsorção e secreção que acontece em cada parte dos túbulos dos néfrons, desde os túbulos proximais até os ductos coletores. Não perca!

Bom então resumindo tudo que a gente viu nesse vídeo, lembre-se que:

  • A reabsorção e a secreção que acontece ao longo dos túbulos dos néfrons pode acontecer pela via paracelular e pela via transcelular.

  • A via paracelular depende do tipo de junção de oclusão que existe entre as células epiteliais enquanto a via transcelular depende do tipo de molécula a ser transportada.

  • Moléculas apolares ou hidrofóbicas podem atravessar passivamente a bicamada lipídica que formam as membranas, por difusão simples. Mas as moléculas polares ou hidrofílicas necessitam de proteínas transportadoras específicas.

  • Dentre essas proteínas nós temos as proteínas canais que permitem um transporte passivo de moléculas hidrofílicas pequenas, por difusão facilitada, e proteínas carreadoras que permitem tanto o transporte passivo de moléculas hidrofílicas maiores por difusão facilitada, como também o transporte ativo desse tipo de molécula por transporte ativo primário e secundário.

  • A presença de diferentes proteínas transportadoras na membrana apical e basolateral das células epiteliais ao longo dos túbulos dos néfrons é que determina o que pode ser reabsorvido e secretado em cada parte dos túbulos dos néfrons.

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Bom, a gente vai ficando por aqui, qualquer dúvida, pode deixar aí nos comentários que a gente tenta responder, beleza? A gente se vê num próximo vídeo, abraço!

Sobre a autora

Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia humana, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. A sua última experiência como professora de fisiologia humana foi na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Fundadora da MK Educação Digital Ltda (MK Fisiologia), atualmente, Mirian é a mente criativa por trás de todos os conteúdos publicados nas redes sociais da empresa.

Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia humana, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana, principalmente através de suas videoaulas publicadas no canal do YouTube MK Fisiologia.

Foto da autora do post Mirian Ayumi Kurauti criadora do MK Fisiologia
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