
MODULAÇÃO DA DOR
Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "MODULAÇÃO DA DOR: Via descendente de inibição da dor e Teoria do portão".
TRANSCRIÇÕESSISTEMA NERVOSO
Mirian Kurauti
8/29/20248 min read
E aí pessoal, tudo bem com vocês?
Eu sou Mirian Kurauti aqui do canal MK Fisiologia e nesse vídeo a gente vai finalizar a nossa discussão sobre a fisiologia da dor, mostrando como a dor pode ser modulada.
Bom, como falamos nos vídeos anteriores, a informação nociva detectada pelos nociceptores, é conduzida por vias aferentes específicas que levam esse tipo de informação pro córtex somatossensorial, onde a informação é processada gerando a percepção da sensação dolorosa.
Além disso, a informação nociva também pode ser levada pra outras áreas corticais e subcorticais envolvidas na geração das emoções e das respostas viscerais que podem acontecer diante de um estímulo nocivo.
Por isso, podemos dizer que a dor apresenta um componente sensorial-discriminativo, representado pela nossa capacidade de perceber a dor; um componente afetivo-motivacional, representado pelas emoções e comportamentos evocados em resposta a dor; e um componente visceral, representado pelas alterações no funcionamento de algumas vísceras que podem acontecer em resposta a dor.
Sendo assim, a dor é muito mais do que uma simples experiência sensorial, ela é uma experiência emocional que pode variar de pessoa pra pessoa. Por isso dizemos que a dor é subjetiva, o que é dor pra mim, pode não ser dor pra você, pois o nosso estado emocional muito provavelmente não é o mesmo, e mais do isso, as nossas experiências não são as mesmas, e talvez o que eu aprendi que é dor, você aprendeu que não é dor.
Ainda, se eu levar um beliscão agora, a dor que eu sentir nesse momento, pode não ser a mesma se eu levar exatamente o mesmo beliscão, com a mesma intensidade, amanhã, já que dependendo do meu estado emocional, a percepção da dor pode ser maior ou menor.
Você já deve ter ouvido falar que mesmo com ferimentos graves, os soldados podem continuar a lutar pra salvar a sua vida e a vida de seus companheiros no meio do campo de batalha, e o mais impressionante é que eles relatam sentir pouca ou nenhuma dor durante a batalha, mesmo tendo levado um tiro na perna, ou estarem com um corte no braço, por exemplo.
Isso acontece, pois nessa condição de estresse, pode ser ativado a via descendente de inibição da dor, gerando analgesia, que é o oposto de hiperalgesia, um termo utilizado pra se referir a um estado de aumento da dor causada por um estímulo nocivo. Portanto, analgesia é um estado de diminuição ou até mesmo ausência da dor, mesmo na presença de um estímulo nocivo.
-Ok, mas como essa via descendente de inibição da dor gera analgesia?
Pra responder essa pergunta, vamos usar um exemplo.
Quando cortamos a nossa pele, esse estímulo nocivo ativa nociceptores, e as informações geradas por esses receptores são conduzidas pelas fibras A delta e C até o corno dorsal da medula espinal. Lá, essas fibras transmitem as informações pros neurônios sensoriais secundários através de sinapses. Uma vez transmitida a informação, ela será conduzida por vias aferentes específicas até estruturas corticais e subcorticais gerando os componentes sensorial-discriminativo, afetivo-motivacional e visceral da dor.
Essas vias aferentes também podem ser chamadas, em conjunto, de via ascendente da dor, pois a informação sobe da medula pro encéfalo.
No entanto, além da via ascendente, também existe a via descendente de inibição da dor, onde as informações vão de cima pra baixo, isto é, partem do encéfalo em direção ao corno dorsal da medula espinal.
A principal estrutura da via descendente de inibição da dor, fica localizada no mesencéfalo, ao redor do aqueduto de Sylvius, conhecida como Substância Cinzenta Periaquedutal.
Os neurônios dessa área podem se projetar pra outras áreas do tronco encefálico e transmitir informações através de sinapses a neurônios do Locus ceruleus e do Núcleo Magno da Rafe. Esses neurônios então descem em direção ao corno dorsal da medula espinal, onde podem liberar neurotransmissores, como noradrenalina e serotonina, os quais podem interferir na transmissão sináptica entre os neurônios sensoriais primários e secundários da via ascendente da dor.
Noradrenalina e serotonina podem se ligar e ativar receptores específicos nas terminações do neurônio sensorial primário inibindo a despolarização da membrana, inibindo assim a liberação de neurotransmissores que iriam passar a informação nociva pro neurônio sensorial secundário.
Além disso, noradrenalina e serotonina também podem se ligar e ativar outros receptores específicos presentes em interneurônios inibitórios, causando despolarização da membrana, ou seja, geram PEPS, que pode disparar potenciais de ação e causar liberação de neurotransmissores, como as encefalinas.
As encefalinas agem via receptores específicos presentes tanto nos neurônios sensoriais primários como nos secundários da via ascendente da dor, inibindo a despolarização da membrana desses neurônios, inibindo assim a transmissão da informação nociva nessa sinapse.
As encefalinas, fazem parte de uma classe de substâncias que a gente chama de opioides endógenos, pois são produzidas pelo próprio organismo.
Opioides que não são produzidos pelo nosso organismo são chamados de exógenos, e um exemplo muito famoso de opioide exógeno é a morfina.
Pelo fato da morfina agir nos mesmos receptores que os opioides endógenos, como as encefalinas, ela apresenta os mesmos efeitos, isto é, causa analgesia, pois inibi a transmissão sináptica que ocorre entre os neurônios sensoriais primário e secundário da via ascendente da dor.
Além disso, vale apena destacar que os opioides tem potente ação analgésica, pois além de inibir a transmissão da informação nociva inibindo diretamente a primeira transmissão sináptica da via ascendente da dor, os opioides podem ativar os neurônios da substância cinzenta periaquedutal, ativando a via descendente de inibição da dor, contribuindo pro efeito analgésico desse tipo de substância.
E o mais interessante é que em situações de estresse, medo e ansiedade, ou até mesmo de euforia, ocorre produção e liberação de outros opioides endógenos como as endorfinas e dinorfinas, e esses opioides podem ativar a via descendente de inibição da dor, causando analgesia. Isso explica porque os soldados em campo de batalha podem continuar lutando mesmo com graves ferimentos, e porque algumas pessoas podem continuar correndo uma maratona, sem mesmo perceber que lesionou uma das pernas.
Outra informação interessante é que a produção e liberação de opioides endógenos também parece explicar o famoso efeito placebo, ou seja, se você tomar água com açúcar acreditando, de verdade, que isso vai diminui a sua dor, isso realmente pode funcionar, pois ocorre ativação da via descendente de inibição da dor através da produção e liberação de opioides endógenos.
E o legal é que se você usar um fármaco que inibi os efeitos dos opioides o efeito placebo não acontece, mostrando que realmente existe uma participação importante dos opioides endógenos no efeito placebo.
Além da via descendente de inibição da dor, existe a via descendente de facilitação da dor. Essa via pode explicar muitos casos de dores crônicas neuropáticas e nociplásticas discutidas no vídeo anterior.
Essa via, quando ativada, ao invés de causar analgesia, ela pode causar hiperalgesia, pois ao invés de inibir a transmissão da informação nociva, ela facilita a transmissão.
Como essa via é bem menos estudada, nós não vamos dar detalhes sobre ela nesse vídeo. Mas se você quiser ir mais afundo, eu deixei alguns links de artigos científicos que falam sobre essa via, aqui na descrição.
Bom, antes de finalizar, vocês ainda precisam saber que existe um outro mecanismo de inibição da dor. E pra entender que mecanismo é esse, vamos usar um exemplo.
Imaginem a seguinte situação, você tá andando distraído na rua e de repente você bate o seu ombro em um poste no meio da calçada. Nessa situação, eu aposto que a primeira coisa que qualquer um faria seria esfregar a mão sobre o local que tá doendo.
E se eu te contar que isso realmente pode ajudar a aliviar a dor?
Pois é, se você massagear a área por um ou dois minutos, a dor pode diminuir. E esse efeito pode ser explicado pela teoria do portão ou da comporta.
Essa teoria tem esse nome pois pra informação nociva seguir pro encéfalo ela, primeiro, precisa passar por um “portão” que existe lá no corno dorsal da medula espinal.
Esse portão é na verdade um interneurônio inibitório que pode liberar neurotransmissores inibitórios sobre o neurônio sensorial secundário da via ascendente da dor, inibindo assim a transmissão da informação nociva.
Quando batemos o ombro, a pancada é detectada pelos nociceptores e a informação nociva segue pelas fibras C até o corno dorsal da medula espinal. Essas fibras C, além de excitarem o neurônio sensorial secundário, inibem o interneurônio inibitório, ou seja, inibem a inibição, abrem a porta, liberam a passagem pra informação nociva.
Mas quando você esfrega o local dolorido, você ativa mecanorreceptores do tato, e essa informação não nociva segue por fibras A beta até o corno dorsal da medula espinal. De lá, essas fibras podem conduzir essa informação de tato pro encéfalo, e além disso também podem excitar o interneurônio inibitório que irá diminuir ou inibir a transmissão da informação nociva, ou seja, fecha o portão.
Portanto, é essa teoria que explica porque massagear uma área dolorida pode ajudar a aliviar a dor.
Finalizando esse vídeo, lembrem-se que:
a dor pode ser modulada pela via descendente de inibição da dor, uma via ativada por opioides endógenos como as endorfinas, dinorfinas e encefalinas, que podem ser liberados em situações de estresse e fortes emoções, como medo, ansiedade e euforia.
A dor também pode ser modulada pela ativação de fibras A beta, fibras que conduzem informações não nocivas detectadas pelos mecanorreceptores do tato. Por isso, esfregar uma área dolorida pode ajudar a aliviar a dor.
Bom, espero que esse vídeo tenha te ajudado de alguma forma, e se ele te ajudou, aproveita pra compartilhar com aquele seu amigo que tá precisando desse conteúdo.
E se você ficou com alguma dúvida pode deixar aí nos comentários que a gente tenta responder, beleza? A gente se vê num próximo vídeo, abraço!


Sobre a autora
Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. Atualmente, é professora de fisiologia humana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a mente criativa por trás do MK Fisiologia.
Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando fisiologia. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana.



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