
Fisiologia do Músculo Esquelético: CONTRAÇÃO MUSCULAR
Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "[#1] Fisiologia do Músculo Esquelético: CONTRAÇÃO MUSCULAR".
TRANSCRIÇÕESSISTEMA MUSCULAR
Mirian Kurauti
7/30/202412 min read
E aí pessoal, tudo bem com vocês?
Eu sou Mirian Kurauti aqui do canal MK Fisiologia e nesse vídeo a gente vai começar a falar sobre os músculos.
E pra falar sobre músculos a gente precisa lembrar que existem três tipos de músculos:
o músculo esquelético,
o músculo cardíaco e
o músculo liso.
Os músculos esquelético e cardíaco são músculos estriados, pois quando você olha esses tecidos no microscópio óptico, é possível observar estrias nas células musculares, ou seja, é possível observar bandas claras e escuras, devido a organização específica de algumas proteínas presentes nessas células, formando, como veremos daqui a pouco, os sarcômeros.
A maioria dos músculos esqueléticos, como o próprio nome sugere, são associados aos ossos do esqueleto, e a sua contração é responsável pela sustentação e pelo movimento do corpo.
Já o músculo cardíaco é o músculo do coração, e a sua contração gera pressão que impulsiona o sangue pelo sistema circulatório.
O terceiro tipo de músculo, o músculo liso, tem esse nome pois quando olhamos esse tecido no microscópio óptico, não observamos estrias nas suas células. Esse tipo de músculo é encontrado na parede de vários órgãos ocos e estruturas tubulares, como por exemplo o estômago, o intestino, a bexiga, o útero e os vasos sanguíneos. Dessa a forma, a contração desse tipo de músculo pode, por exemplo, mover o alimento dentro do estômago e do intestino, ou ainda, regular o diâmetro dos vasos sanguíneos, regulando assim o fluxo sanguíneo.
Embora todos esses músculos sejam importantes pro funcionamento adequado do organismo, o músculo esquelético é o mais abundante, representando cerca de 40% do peso corporal. São mais de 600 músculos esqueléticos, os quais são responsáveis por todos os movimentos do corpo, desde os movimentos mais simples, até os movimentos mais complexos, que acontecem graças a contração coordenada de vários músculos esqueléticos.
Nesse vídeo, a gente vai ver com detalhes sobre os mecanismos moleculares da contração dos músculos esqueléticos. Mas pra isso, primeiro a gente precisa entender como os músculos esqueléticos se organizam. Então, vamos pegar um pedaço desse músculo aqui e dá um zoom.
Observe que o músculo esquelético é formado por várias estruturas alongadas, chamadas de fascículos musculares, os quais são formados por um grupo de células musculares. Como essas células são alongadas seguindo o comprimento do músculo, elas são chamadas de fibras musculares.
Cada fibra muscular é formada a partir da fusão de várias células precursoras, dando origem a uma única célula com vários núcleos, ou seja, multinucleada, como você pode observar aqui nesse esquema, os vários núcleos de uma fibra muscular.
Envolvendo e preenchendo os espaços entre os fascículos e as fibras musculares, nós temos tecido conjuntivo, onde se encontram nervos e vasos sanguíneos que inervam e irrigam as fibras musculares. Esse tecido conjuntivo é contínuo e forma, nas extremidades dos músculos, os tendões que se inserem nos ossos do esqueleto.
De todas essas estruturas que formam os músculos esqueléticos, as estruturas responsáveis pela contração são as fibras musculares. Por isso, vamos ver mais de perto a estrutura dessas fibras.
Pra isso vamos pegar só um pedacinho de uma fibra muscular e vamos tirar uma fatia desse pedaço pra identificar suas estruturas externas e internas.
Como toda célula, a fibra muscular é envolta pela membrana celular, chamada de sarcolema ou membrana sarcoplasmática.
Lembre-se que “sarco” vem do grego e significa “carne”.
Essa membrana apresenta inúmeras invaginações, chamadas de túbulos transversos ou túbulos T. Essas invaginações acabam formando uma rede tubular que se associam intimamente com o retículo endoplasmático liso dessas células, que aqui é chamado de retículo sarcoplasmático, e armazena grandes concentrações de íons cálcio (Ca2+).
Reparem que esse retículo envolve uma estrutura cilíndrica, que segue o comprimento da fibra muscular, as chamadas miofibrilas, que preenchem a maior parte da fibra muscular.
Dispersas entre as miofibrilas ainda temos várias mitocôndrias, que são importantes pra produção de ATP, que fornece energia química pra contração da fibra muscular, um processo dependente da maquinaria contrátil presente nas miofibrilas.
"E que maquinaria contrátil é essa?"
Aqui eu tenho um pedaço de uma miofibrila que eu retirei de uma fibra muscular. Cada miofibrila é formada por várias estruturas proteicas delimitadas pelas linhas z ou discos z, os chamados sarcômeros. Esses sarcômeros são dispostos em séries, ou seja, um na sequência do outro. Por exemplo, aqui tem um sarcômero, logo em seguida tem outro e assim vai até o final do comprimento da miofibrila.
Os sarcômeros são constituídos de várias proteínas, que formam além dos discos z, os filamentos finos que se ancoram diretamente nos discos z, cuja principal proteína formadora é a actina; e os filamentos grossos que podem interagir com os filamentos finos e estão associados aos discos z através de uma proteína bastante elástica, chamada titina. Os filamentos grossos são constituídos basicamente pela proteína miosina.
Observando uma miofibrila no microscópio eletrônico (um microscópio potente que proporciona um aumento de mais de duzentas mil vezes), além dos discos z podemos observar:
uma banda I, regiões mais claras próximas aos discos z, composta apenas pelos filamentos finos;
uma banda A mais escura composta pelos filamentos finos e grossos que se sobrepõem, exceto na região da zona ou banda H, onde se observa apenas filamentos grossos;
e por fim, uma linha M central composta por proteínas que ajudam na organização dos filamentos grossos.
Vale lembrar que essa estrutura é cilíndrica, e se você pegar um corte transversal da linha M, da banda H, da banda A e da banda I, você iria observar essa organização tridimensional.
Então essa é a organização dos sarcômeros quando os músculos estão em repouso, ou seja, relaxados.
E a pergunta aqui é:
"O que acontece com o sarcômero durante a contração muscular?"
Preste atenção aqui na imagem, olha só o que acontece durante a contração muscular, os filamentos finos deslizam sobre os filamentos grossos, em direção ao centro do sarcômero, encurtando o comprimento da banda H e da banda I, o que encurta o comprimento dos sarcômeros, que consequentemente vai encurtar o comprimento de toda miofibrila, o que vai encurtar o comprimento da fibra muscular, causando finalmente o encurtamento do comprimento do músculo como um todo.
Para o deslizamento dos filamentos finos sobre os filamentos grossos acontecer, as proteínas que formam esses filamentos devem interagir. Mas como exatamente acontece essa interação entre as proteínas desses filamentos?
Pra responder essa pergunta, a gente precisa saber como os filamentos finos e grossos dos sarcômeros se organizam.
Começando pelos filamentos finos, além da actina que é uma proteína globular, esses filamentos também são constituídos por outras duas proteínas: tropomiosina e troponina.
Pra entender como essas três proteínas se organizam pra formar os filamentos finos, primeiro imaginem dois colares de pérolas, sendo cada pérola uma actina. Se a gente torcer esses dois colares juntos a gente forma um filamento em hélice, e é exatamente dessa maneira que se organizam as moléculas de actina.
Nesse filamento de actina, a gente adiciona uma proteína filamentosa que interage com sete moléculas de actina, a tropomiosina, e a cada tropomiosina a gente adiciona um complexo proteico com três subunidades, a troponina, que contém uma subunidade T que interage com a tropomiosina, uma subunidade C, que tem sítios de ligação pra íons cálcio, e uma subunidade I que inibi a interação entre o filamento fino e o filamento grosso.
Já os filamentos grossos são constituídos pela miosina, uma proteína formada por duas cadeias pesadas que se entrelaçam, formando duas estruturas globulares em uma extremidade as quais apresentam sítios de ligação pra actina e ATP. Em cada uma dessas estruturas globulares, se associam duas cadeias leves da miosina.
Considerando toda a molécula de miosina, podemos dividir essa proteína em três regiões distintas: cauda, cabeças e braço. Juntos, cabeças e braço também são chamados de ponte cruzada.
Vale destacar que o braço é uma região flexível da miosina que pode se dobrar durante a interação com o filamento fino, como veremos as seguir.
Cada uma das miosinas que formam o filamento grosso, são organizadas a partir da linha M, com as suas caudas voltadas na direção dessa linha central.
Uma informação importante, que você deve se lembrar, é que as cabeças da miosina têm atividade ATPase.
"Mas o que significa isso?"
Significa que ela hidrolisa, quebra moléculas de ATP, ou seja, quando o ATP se liga na cabeça da miosina ele é rapidamente hidrolisado formando ADP mais fosfato inorgânico, os quais permanece ligados na cabeça da miosina, e é nesse estado que a cabeça da miosina pode se ligar no filamento de actina iniciando o mecanismo de contração muscular.
"Mas como exatamente isso acontece?"
No estado de repouso, apesar da cabeça da miosina já tá pronta pra se ligar na actina, ela não consegue fazer isso, pois a tropomiosina (aquela proteína filamentosa do filamento fino) cobre o sítio de ligação presente na actina, impedindo a interação.
Quando um potencial de ação é gerado na fibra muscular, ocorre a liberação dos íons cálcio (Ca2+), que ficam armazenados no retículo sarcoplasmático. Esses íons se ligam nos sítios de ligação da subunidade C da troponina, e isso causa uma alteração na conformação do complexo da troponina, resultando no deslocando a tropomiosina, que agora deixa exposto no filamento de actina os sítios de ligação da cabeça da miosina, que nesse momento, pode ser ligar à actina.
Ao se ligar na actina, o fosfato e o ADP se desligam da cabeça da miosina, o que induz uma alteração da conformação da miosina, provocando o dobramento da região flexível. Isso puxa o filamento fino em direção ao centro do sarcômero, fazendo com que ocorra o deslizamento desse filamento sobre o filamento grosso, encurtando assim o comprimento do sarcômero.
Pra que a cabeça da miosina se desligue da actina, uma molécula de ATP agora deve se ligar. Isso reduz a afinidade da miosina pela actina. Ao se soltar, a cabeça da miosina já hidrolisa novamente o ATP em ADP mais fosfato, e isso libera energia para desdobrar a cabeça da miosina, que retorna a posição inicia, preparando pra mais uma interação.
Se o Ca2+ ainda tiver disponível em concentrações elevadas no citoplasma, esse íon continua ligado na troponina C, mantendo a tropomiosina deslocada, e o sítio de ligação da cabeça da miosina na actina continua exposto, e mais um ciclo pode se repetir.
Esse ciclo que a gente acabou de descrever também é conhecido como o ciclo das pontes cruzadas, que só vai acabar quando o cálcio que foi liberado, for recapturado pelo próprio retículo sarcoplasmático.
Então até aqui, podemos concluir que o cálcio, armazenado no retículo sarcoplasmático, é um fator muito importante na contração muscular. Assim, é importante entender como ocorre a liberação e a recaptura desse íon lá no retículo sarcoplasmático.
Então lembre-se, o cálcio é liberado quando potenciais de ação são disparados nas fibras musculares.
"Mas como esses potenciais de ação são gerados nessas células?"
Pra responder essa pergunta, é preciso saber que os músculos esqueléticos são inervados por neurônios motores localizados no tronco encefálico ou na medula espinal. Esses neurônios motores podem receber comandos de centros superiores, como por exemplo o córtex cerebral, estimulando assim o disparo de potenciais de ação nesses neurônios motores. Esses potenciais de ação se propagam até os ramos axonais. Só lembrando que cada ramo inerva uma fibra muscular.
Dessa forma, um neurônio motor pode inervar várias fibras musculares formando o que chamamos de unidade motora, mas uma fibra muscular só é inervada por um neurônio motor.
Os terminais dos ramos axonais se associam às fibras musculares formando uma sinapse química especializada, chamada de Junção Neuromuscular. Nessa sinapse química, o neurotransmissor liberado pelo terminal é a acetilcolina, e o receptor presente na membrana da fibra muscular, é um receptor inotrópico, nesse caso, um canal seletivo pra cátions, como o sódio, que é ativado pela acetilcolina, chamado receptor nicotínico.
Agora vamos tentar explicar como um estímulo elétrico, ou seja, como um potencial de ação, induz a contração do músculo esquelético, o que chamamos de acoplamento excitação-contração.
Quando os potenciais de ação, disparados nos neurônios motores chegam na sua terminação axonal, a acetilcolina armazenada nas vesículas sinápticas, é liberada na fenda sináptica.
A membrana da fibra muscular dessa região, é especializada, tem pequenas invaginações que aumentam a superfície celular, e recebe o nome de placa motora terminal. Nesse local, a acetilcolina se liga aos receptores nicotínicos, promovendo a aberturas desses canais.
Embora o canal seja permeável tanto ao sódio como ao potássio, no repouso, a força eletroquímica que move o sódio através desse canal é maior que a força eletroquímica que move o potássio, portanto, o sódio entra, causando uma despolarização da membrana, que se propaga pra regiões vizinhas, que são ricas em canais de sódio dependentes de voltagem, os quais são abertos, disparando potenciais de ação que se propagam rapidamente até os túbulos T.
Lá na membrana dos túbulos T, existem os chamados receptores de dihidropiridina ou DHP que são canais de cálcio dependentes de voltagem. Porém a função desses receptores DHP vai além de permitir a entrada de íons cálcio na fibra muscular, pois esses receptores estão associados fisicamente aos receptores de rianodina que também são canais de cálcio, mas que estão localizados na membrana do retículo sarcoplasmático.
Quando os potenciais de ação chegam nos túbulos T, os receptores DHP sofrem alterações conformacionais que ativa os receptores de rianodina, provocando a abertura desses canais de cálcio do retículo sarcoplasmático. E como o cálcio tá muito mais concentrado dentro do retículo, esse íon se move rapidamente em direção ao citoplasma, elevando a concentração de cálcio, o qual pode se ligar a troponina, iniciando o ciclo das pontes cruzadas, promovendo o encurtamento dos sarcômeros e a contração da fibra muscular.
Quanto o estímulo nervoso termina, a membrana é repolarizada, e o receptor DHP, volta ao seu estado inicial, inativando os receptores de rianodina, provocando agora o fechamento dos canais de cálcio do retículo sarcoplasmático.
O cálcio agora é bombeado pro interior desse retículo através de uma bomba iônica, conhecida como SERCA (do inglês "sarcoplasmatic endoplasmatic reticulum calcium ATPase"). Essa bomba usa a energia de uma molécula de ATP pra transportar dois íons cálcio de volta pro retículo sarcoplasmático.
Agora, como a concentração de cálcio no citoplasma diminui, o cálcio se desliga da troponina C, e a interação entre as cabeças da miosina e os filamentos de actina volta a ser inibida. Nesse momento, o sarcômero volta ao seu estado de repouso, causando o relaxamento da fibra muscular.
Resumindo todos os passos do acoplamento excitação-contração do músculo esquelético, lembre-se que:
Tudo se inicia com a chegada de potenciais de ação nos terminais axonais dos neurônios motores que inervam as fibras musculares.
Isso libera acetilcolina na fenda sináptica causando despolarização da membrana, e disparos de potenciais de ação que se propagam até os túbulos T, onde são ativados os receptores DHP, o qual ativa os receptores de rianodina, ou seja, abrem-se os canais de cálcio do retículo sarcoplasmático e o cálcio é liberado no citoplasma, onde se liga a troponina C.
Essa ligação ativa as troponinas, que deslocam os filamentos de tropomiosina, expondo os sítios de ligação das cabeças das miosinas que podem agora se ligar nos filamentos de actina, permitindo assim a interação entre essas duas proteínas, e o deslocamento dos filamentos finos em direção ao centro do sarcômero.
Enquanto o cálcio tiver elevado no citoplasma, o ciclo das pontes cruzadas continua se repetindo sucessivamente, e os filamentos finos continuam o deslizamento sobre os filamentos grossos, encurtando cada vez mais os sarcômeros, promovendo assim a contração dos músculos esqueléticos.
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Sobre a autora
Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. Atualmente, é professora de fisiologia humana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a mente criativa por trás do MK Fisiologia.
Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando fisiologia. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana.



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