TRANSMISSÃO SINÁPTICA QUÍMICA: Sinapse química

Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "TRANSMISSÃO SINÁPTICA QUÍMICA: SINAPSE QUÍMICA".

TRANSCRIÇÕESSISTEMA NERVOSO

Mirian Kurauti

7/27/202411 min read

E aí pessoal, tudo bem com vocês?

Eu sou Mirian Kurauti aqui do canal MK Fisiologia e nesse vídeo a gente vai continuar falando sobre transmissão sináptica que acontece entre neurônios, e dessa vez a gente vai falar sobre o principal tipo de transmissão sináptica do sistema nervoso, a transmissão sináptica química.

Mas antes de continuar assistindo esse vídeo, se você perdeu o vídeo anterior sobre transmissão sináptica elétrica, é só clicar no card pra assistir (ou aqui).

Se você já assistiu, bora falar sobre a transmissão sináptica química.

Esse tipo de transmissão sináptica acontece nas sinapses químicas onde a transmissão de informações ocorre de forma indireta. Como assim?

Aqui eu tenho dois neurônios formando uma sinapse química.

"Tá mas, o que é que tem nessa sinapse química, que faz com que a transmissão de informações aconteça de forma indireta?"

Vamos dar um zoom aqui nessa sinapse. Primeiro, observe que nesse tipo de sinapse as membranas dos neurônios 1 e 2 estão separadas por um espaço, que a gente chama de fenda sináptica.

Além disso, observe que nos terminais axonais do neurônio 1 existem vesículas sinápticas contendo pequenas moléculas chamadas de neuromediadores.

Quando potenciais de ação, disparados na zona de gatilho, chegam despolarizando a membrana dos terminais axonais do neurônio 1, que agora a gente chama de neurônio pré-sináptico, porque tá antes da fenda sináptica, ocorre a liberação dos neuromediadores na fenda sináptica.

Para o neurônio 2, que agora a gente chama de neurônio pós-sináptico pois está depois da fenda sináptica, receber o sinal químico, na sua membrana estão presentes proteínas que funcionam como receptores desse sinal.

Então, quando os neuromediadores são liberados, eles podem interagir com esses receptores e isso faz com que o potencial de membrana seja alterado, gerando ondas de despolarização ou hiperpolarização. E aí pronto, a informação foi transmitida de forma indireta, através dos neuromediadores.

Lembre-se que essas ondas de despolarização ou hiperpolarização podem se propagar até a zona de gatilho do neurônio pós-sináptico. E se lá, essas ondas, no caso as ondas despolarizantes, forem o suficiente para levar o potencial de membrana ao limiar de excitabilidade, dispara-se potenciais de ação, caso contrário, não dispara.

"Pronto, é só isso que a gente precisa saber sobre a sinapse química?"

Claro que não, a gente precisa ver mais detalhes sobre esse tipo de sinapse. E pra começar a aprofundar um pouco mais, a gente pode fazer a seguinte pergunta: Quem são os neuromediadores?

Neuromediadores são moléculas liberadas por neurônios, que geram uma resposta em outros neurônios ou em outros tipos celulares. E se a gente considerar essa definição, muitas, mas muitas moléculas mesmo, podem ser consideradas neuromediadores, como por exemplo alguns aminoácidos, algumas aminas, muitos peptídeos, além de outros tipo de moléculas, como gases e lipídios.

No entanto, é importante saber que dentro dos neuromediadores a gente tem moléculas que podem atuar como neurotransmissores e/ou como neuromoduladores. Como assim?

Os neurotransmissores são moléculas liberadas por neurônios que quando interagem com seus receptores provocam alterações no potencial de membrana, isto é, ondas de despolarização ou hiperpolarização nos neurônios pós-sináptico. Portanto, são os neurotransmissores que de fato transmitem a informação.

Já os neuromoduladores, sozinhos não conseguem provocar alterações significativas no potencial de membrana, mas quando agem junto com os neurotransmissores podem amplificar ou diminuir as ondas de despolarização ou hiperpolarização. Ou seja, os neuromoduladores podem modular a informação transmitida pelos neurotransmissores.

Nesse momento, a gente vai focar nos neurotransmissores, pois são eles que de fato transmitem a informação do neurônio pré-sináptico pro neurônio pós-sináptico.

Como os principais neurotransmissores são aminoácidos e aminas, a gente vai falar como esses tipos de moléculas são sintetizadas, liberadas na fenda sináptica e com que tipo de receptores essas moléculas interagem nos neurônios pós-sinápticos.

Bom, a síntese desses neurotransmissores, aminoácidos e aminas, dependem de reações enzimáticas específicas que podem acontecer no próprio terminal axonal do neurônio pré-sináptico. Uma vez sintetizados, esses neurotransmissores são transportados, por proteínas transportadoras específicas, pra dentro das vesículas sinápticas.

Só lembrando que essas vesículas são delimitadas por membrana que, lembre-se, é constituída basicamente por uma bicamada lipídica. Dessa forma, os neurotransmissores que são hidrofílicos, ficam presos nesses pequenos compartimentos, e podem assim ficar armazenados.

No terminal axonal do neurônio pré-sináptico, quando em repouso, muitas vesículas sinápticas, já se encontram bem próximas da membrana celular em uma região cheia de proteínas que a gente chama de zona ativa. São essas proteínas que ancoram as vesículas próximas da membrana celular e que podem iniciar a exocitose, isto é, a fusão das vesículas com a membrana celular, pra liberar os neurotransmissores na fenda sináptica.

Mas a pergunta agora é: Como exatamente isso acontece?

Quando um potencial de ação chega no termina axonal e despolariza a membrana da zona ativa, canais de cálcio dependentes de voltagem são ativados, isto é, são abertos.

Como o íon cálcio é muito mais concentrado fora do que dentro das células, ocorre um rápido influxo ou entrada de cálcio na zona ativa, elevando a concentração local desse íon.

O cálcio pode então se ligar a proteínas específicas presentes na vesícula sináptica, no caso a sinaptotagmina, a qual funciona como um sensor de cálcio. Então quando a concentração desse íon aumenta, essa proteína meio que avisa outras proteínas responsáveis pela exocitose: “olha, tá na hora de fazer a fusão das vesículas sinápticas com a membrana celular, pra liberar esses neurotransmissores aí”.

Quando a vesícula se funde com a membrana, os neurotransmissores são liberados na fenda sináptica.

Agora, um detalhe importante que você precisa se lembrar é que uma vez liberados os neurotransmissores precisam ser rapidamente removidos da fenda sináptica. E pra isso, a gente tem 3 mecanismos:

  • O primeiro mecanismo que vale pra todos os neurotransmissores é a difusão. Não tá cheio de neurotransmissores na fenda sináptica? Por diferença de contração, eles se difundem pra fora da fenda e podem até entrar na circulação sanguínea, onde encontrarão enzimas que irão degradá-los.

  • Além disso, muitos neurotransmissores podem ser recapturados através de proteínas transportadoras específicas, presentes na membrana do próprio neurônio que liberou o neurotransmissor, ou na membrana de algumas células da glia. Quando os neurotransmissores voltam pro neurônio, eles podem ser reutilizados.

  • Por fim, tem um neurotransmissor, a acetilcolina, que sofre degradação na própria fenda sináptica, pois existe uma enzima específica pra isso, que fica localizada justamente na fenda sináptica. Dessa forma, a acetilcolina pode ser rapidamente eliminada após ser liberada.

Bom, é importante destacar que de fato esses mecanismos contribuem pra uma rápida remoção dos neurotransmissores da fenda sináptica, mas antes disso acontecer, dá tempo suficiente pra eles interagirem com seus receptores no neurônio pós-sináptico.

"Mas afinal, quem são esses receptores?"

Esses receptores nada mais são do que proteínas de membrana, que funcionam como um receptor do sinal químico, que chega através dos neurotransmissores.

Existem dois tipos de receptores de neurotransmissores presentes na membrana das células pós-sinápticas.

O primeiro tipo é conhecido como receptores ionotrópicos. Calma, não se assuste com o nome, pois esse tipo de receptor, é simplesmente um canal iônico controlado por ligante, nesse caso controlado por um neurotransmissor.

Lembre-se, receptor iono-trópico, “iono” lembra íon, ou seja, é um canal iônico controlado por neurotransmissores. Enquanto o neurotransmissor não se ligar ao receptor ionotrópico, o canal permanece fechado. Mas quando o neurotransmissor é liberado na fenda sináptica e se liga ao receptor, o canal é ativado e é aberto, permitindo a passagem de determinados íons para o qual o canal é seletivo, gerando assim uma alteração do potencial de membrana, uma onda de despolarização ou uma onda de hiperpolarização, vai depender de qual íon vai se mover através do canal.

Já o segundo tipo de receptor é conhecido como receptores metabotrópicos, um nome assustador né? Mas calma, que não é nada muito complicado, porque vocês já viram esse tipo de receptor, ou pelo menos deveriam ter visto, na biologia celular.

Esses receptores, geralmente são receptores associados à proteína G, que funcionam da seguinte forma: Quando o neurotransmissor não está ligado no receptor, a proteína G permanece inativa. Mas quando, o neurotransmissor se liga ao seu receptor, a proteína G é ativada e ela pode se dissociar ou se desligar do receptor e interagir diretamente com alguns canais iônicos, os quais podem ser ativados e abertos, permitindo a passagem de determinados íons para o qual o canal é seletivo, gerando assim uma onda de despolarização ou uma onda de hiperpolarização. De novo, vai depender de qual íon vai se mover através do canal.

Além disso, a proteína G pode ativar enzimas que ficam na membrana e podem metabolizar seus substratos pra formar pequenas moléculas chamadas de segundos mensageiros, pois o primeiro mensageiro, tá lá fora, o neurotransmissor.

Por isso, receptores metabo-trópicos, “metabo” lembra metabolismo e é isso que as enzimas ativadas pelas proteínas G fazem, metabolizam seus substratos, pra formar os segundos mensageiros. Esses segundos mensageiros podem, adivinha? Ativar e abrir alguns canais iônicos de forma direta, eles mesmos podem interagir com o canal, ou indireta, através da ativação de proteínas efetoras específicas.

Por exemplo, alguns receptores, quando ativado pelos neurotransmissores, ativam uma proteína G específica, que ativa uma determinada enzima. Essa enzima, gera segundos mensageiros que ativam uma proteína efetora específica que pode finalmente ativar um canal iônico na membrana celular.

Além disso, essa proteína efetora pode ainda ativar outras proteínas como por exemplo, fatores de transcrição, os quais ativam a transcrição de alguns genes específicos. Quais?

Um exemplo, é a ativação da transcrição do gene que codifica o próprio canal iônico ativado pela proteína efetora. A ativação da transcrição desse gene, acaba estimulando tradução ou a síntese proteica desse canal, e aí em transmissões sinápticas futuras, a informação pode ser amplificada, pois vai ter mais canais pra serem ativados pelos neurotransmissores. Um efeito agora mais de neuromodulador do que de neurotransmissor.

É importante que você perceba que essas alterações no neurônio pós-sináptico são mais demoradas, pois envolvem a transcrição de genes e síntese de proteínas, mas podem durar por muito mais tempo, o que é muito importante pra funções que exigem alterações mais duradoras, como o aprendizado e a memória, por exemplo.

Bom, mas independente se o receptor é ionotrópico ou metabotrópico, você tem que lembrar que o resultado final é a ativação ou abertura de canais iônicos específicos, o que causa uma alteração no potencial de membrana do neurônio pós-sináptico, despolarização ou hiperpolarização.

Se a ativação dos receptores, ionotrópicos ou metabotrópicos, pelos neurotransmissores, resultar na abertura de canais de sódio ou cálcio, lembre-se que tanto o sódio como o cálcio, têm força eletroquímica pra entrar na célula trazendo cargas positivas pro citoplasma, o que vai deixando o potencial de membrana mais positivo, ou seja, gera uma onda de despolarização no neurônio pós-sináptico.

Como essa onda de depolarização leva o potencial de membrana pra valores mais positivos em direção ao limiar, podemos chamar essa onda de Potencial Excitatório Pós-Sináptico (PEPS), pois excita o neurônio, tenta levar o potencial de membrana ao limiar pra disparar potenciais de ação.

Mas, se a ativação dos receptores, ionotrópicos ou metabotrópicos, pelos neurotransmissores, resultar na abertura de canais de potássio ou cloreto, lembrem-se, o potássio geralmente tem força eletroquímica para sair das células levando cargas positivas pra fora das células o que vai deixar o potencial de membrana mais negativo, gerando uma onda de hiperpolarização.

Já o cloreto geralmente tem força eletroquímica pra entrar nos neurônios trazendo cargas negativas pra dentro dos neurônios o que vai deixar o potencial de membrana mais negativo, gerando também uma onda de hiperpolarização.

Como essa onda de hiperpolarização leva o potencial de membrana pra valores mais negativos, ela tende a afastar o potencial de membrana do limiar, ou seja, dificulta o disparo de potenciais de ação, por isso a gente chama essa onda de Potencial Inibitório Pós-Sináptico (PIPS).

A geração de PEPS ou PIPS nos neurônios pós-sinápticos depende do neurotransmissor liberado na fenda sináptica, e do tipo de receptor que esse neurotransmissor ativa. Lembre-se disso.

PEPS e PIPS se propagam como ondas que perdem amplitude (ou seja, são potenciais graduados) e podem chegar até a zona de gatilho onde poderão ou não disparar um potencial de ação. Como assim?

Até aqui, nos nossos exemplos, eu só mostrei uma sinapse acontecendo entre dois neurônios. Mas, em um neurônio real, nunca tá acontecendo apenas uma sinapse, na verdade em cada neurônio existem milhares de sinapses. Só pra vocês terem uma ideia, tem neurônios que podem ter cerca de 100 mil sinapses!

Nessa figura (ver figura no vídeo), cada pontinho verde representa uma sinapse. Dentre todas essas sinapses, algumas geram PEPS e outras PIPS, os quais se propagam até chegar na zona de gatilho. Nessa região, PEPS e PIPS são somados.

Por exemplo, chegou uma onda despolarizante, ou seja, um PEPS, mas logo em seguida chegou um PIPS que afastou o potencial de membrana do limiar. Em seguida chegou um PEPS, e quase que no mesmo instante chegou mais um outro PEPS, que levou o potencial de membrana ao limiar, provando o disparo de um potencial de ação.

É importante destacar que na maioria dos casos um único PEPS não dispara um potencial de ação. Assim o disparo de potenciais de ação na zona de gatilho depende dessa soma de PEPS e PIPS, m processo que a gente chama de SOMAÇÃO! No próximo vídeo a gente explica melhor essa somação de PEPS e PIPS. Não perca!

Bom, então tudo que a gente viu nesse vídeo, lembre-se que:

  • Na sinapse química a transmissão de informações acontece de forma indireta, através dos neurotransmissores.

  • A liberação dos neurotransmissores ocorre com a chegada de potenciais de ação que despolarizam a membrana dos terminais axonais e promovem a ativação ou abertura dos canais de cálcio dependentes de voltagem.

  • Os neurotransmissores são rapidamente removidos da fenda sináptica por meio de três mecanismos: difusão, recaptura e degradação.

  • A ativação dos receptores ionotrópicos ou metabotrópicos, pelos neurotransmissores, pode gerar ondas despolarizantes (PEPS) ou hiperpolarizantes (PIPS).

  • PEPS e PIPS se propagam até a zona de gatilho do neurônio pós-sináptico, onde podem se somar. Se a soma alcançar o limiar, dispara-se um potencial de ação, caso contrário, não dispara.

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Qualquer dúvida, pode deixar aí nos comentários que a gente tenta responder, beleza? A gente se vê num próximo vídeo. Abraço!

Sobre a autora

Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. Atualmente, é professora de fisiologia humana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a mente criativa por trás do MK Fisiologia.

Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando fisiologia. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana.

Foto da autora do post Mirian Ayumi Kurauti criadora do MK Fisiologia
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