[#8] EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE: Como o sistema renal regula o pH? (PARTE 2)

Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "[#8] EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE: Como o sistema renal regula o pH? (PARTE 2)".

TRANSCRIÇÕESEQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE

Mirian Kurauti

2/21/20259 min read

E aí pessoal, tudo bem com vocês?

Como vimos no vídeo anterior, o sistema renal participa da regulação do pH do líquido extracelular através de três mecanismos:

  1. secreção de H+ com reabsorção de bicarbonato;

  2. excreção de ácidos tituláveis com formação de novo bicarbonato;

  3. e excreção de íon amônio (NH4+) com formação de novo bicarbonato.

Porém, no vídeo anterior a gente falou sobre esses três mecanismos apenas em condições normais ou fisiológicas, participando assim do equilíbrio ácido-base no dia a dia.

Nesse vídeo, a gente vai falar sobre a regulação desses mecanismos em condições de desequilíbrios ou distúrbios ácido-base, alcalose e acidose. Bora lá?

O primeiro exemplo que a gente pode usar pra entender como o sistema renal funciona em condições de distúrbios ácido-base, é um exemplo que a gente usou em um vídeo anterior.

Imagine uma situação de muito estresse, seu estômago queimando, e você resolve tomar um antiácido. Porém, como a queimação tava muito forte você acaba tomando mais antiácido do que deveria.

O bicarbonato presente nesse antiácido é então absorvido pelo seu trato gastrointestinal, aumentando a concentração desse íon no líquido extracelular, ou melhor, do sangue, aumentando assim o pH do sangue. Um exemplo de alcalose metabólica.

E como a gente já sabe, esse aumento do pH pode ser minimizado pelos sistemas tampão extracelulares e intracelulares. Porém, lembre-se que esses sistemas minimizam, mas não impedem o aumento do pH que pode ser detectado pelos quimiorreceptores periféricos, os quais enviam essa informação pros neurônios dos grupos respiratórios localizados no tronco encefálico, causando assim diminuição da ventilação alveolar, o que resulta em um aumento da pressão parcial de gás carbônico (PCO2), diminuindo assim o pH do sangue. Um exemplo de compensação respiratória.

Compensação, não correção. Pois o problema foi o aumento da concentração de bicarbonato e o sistema respiratório compensou esse aumento com um aumento da PCO2. Agora, pra PCO2 voltar ao normal, é preciso corrigir a concentração de bicarbonato, e é aí que entra em cena o sistema renal.

O aumento do pH e o aumento da concentração de bicarbonato funcionam como um sinal lá nos rins, os quais podem então diminuir a atividade das proteínas transportadoras que secretam H+ e reabsorvem bicarbonato no túbulo proximal, diminuindo assim a secreção de H+ e a reabsorção de bicarbonato, o que pode ir corrigindo aos poucos a concentração desse íon.

E conforme a concentração desse íon vai diminuindo, o sistema respiratório também vai aumentando a ventilação alveolar pra diminuir a PCO2. E se você não tomar mais antiácido, a concentração de bicarbonato pode ser normalizada, assim como a PCO2 e o pH do sangue.

Mas se você continuar tomando antiácido em excesso, por vários dias seguidos, a concentração de bicarbonato pode continuar elevada por vários dias e isso pode causar além de uma diminuição da atividade, uma diminuição do número de proteínas transportadoras que secretam H+ e reabsorvem bicarbonato no túbulo proximal.

Além disso, quando o aumento da concentração de bicarbonato dura por vários dias, ou seja, é crônico, pode acontecer alterações nos túbulos distais e ductos coletores.

Lembre-se que geralmente essa parte final dos néfrons tem mais células intercaladas tipo A ou alfa que secretam H+ e reabsorvem bicarbonato.

Porém, quando o organismo se encontra em alcalose com aumento da concentração de bicarbonato, essas células podem ser trocadas por um outro tipo de células intercaladas, as células intercaladas tipo B ou beta.

Ao contrário das células intercaladas alfa, as células intercaladas beta apresentam proteínas que realizam transporte ativo primário, bombas de hidrogênio (H+), na membrana basolateral, então reabsorvem H+; e proteínas transportadoras específicas que realizam transporte de bicarbonato e cloreto, um trocador de ânions, na membrana apical, então secretam bicarbonato em troca de cloreto.

Assim, quando o aumento do pH e o aumento da concentração de bicarbonato duram vários dias, a quantidade de células intercaladas alfa secretoras de H+ diminui, e a quantidade de células intercaladas beta secretoras de bicarbonato aumenta, e isso contribui mais ainda pra diminuir a excreção de H+ na forma de ácidos tituláveis e na forma de íon amônio (NH4+), e pra aumentar a excreção de bicarbonato na tentativa de normalizar a concentração desse íon e, consequentemente, o pH do sangue.

Portanto, é assim que os rins respondem a uma alcalose metabólica em que o aumento do pH é causado por um aumento da concentração de bicarbonato.

-Ah, professora, mas e se a alcalose for respiratória e não metabólica?

Bom, se a alcalose for respiratória, como acontece por exemplo quando a gente hiperventila numa crise de ansiedade, a PCO2 diminui e o pH do sangue aumenta.

Embora os sistemas tampão minimizem esse aumento do pH, eles não conseguem evitar esse aumento. E como a função do sistema respiratório é que tá alterada causando diminuição da PCO2, o sistema renal precisa se virar sozinho, e tanto o aumento do pH como a diminuição da PCO2 funcionam como um sinal lá nos rins, os quais podem então diminuir a excreção de H+ na forma de ácidos tituláveis e íon amônio (NH4+), e aumentar a excreção de bicarbonato, através dos mecanismos que a gente acabou de explicar, provocando assim uma diminuição da concentração de bicarbonato e do pH do sangue, compensando assim a alcalose respiratória, ou seja, temos aqui um exemplo de compensação renal.

-Tá, professora, mas e em casos de acidose? Como os rins podem compensar o aumento de ácidos no organismo?

Pra responder essa pergunta, vamos usar um outro exemplo.

Imagine que você almoçou em um restaurante de qualidade duvidosa e no dia seguinte acordou com muita dor de barriga e diarreia severa.

Lembre-se que em quadros de diarreia severa, você pode perder quantidades significativas de bicarbonato, diminuindo o pH do sangue. Um exemplo de acidose metabólica.

E, como a gente já sabe, essa diminuição do pH pode ser minimizada pelos sistemas tampão extracelulares e intracelulares, mas, como esses sistemas minimizam, mas não impedem a diminuição do pH do sangue, essa diminuição pode ser detectada pelos quimiorreceptores periféricos os quais podem então enviar essa informação pros neurônios dos grupos respiratórios localizados no tronco encefálico causando assim aumento da ventilação alveolar, o que resulta em uma diminuição da PCO2, aumentando o pH do sangue arterial. Um outro exemplo de compensação respiratória.

Mas, de novo, compensação, não correção. Pois o problema foi a diminuição da concentração de bicarbonato e o sistema respiratório compensou essa diminuição com uma diminuição da PCO2.

Pra PCO2 voltar ao normal, é preciso corrigir a concentração de bicarbonato, e aí entra em cena o sistema renal que vai precisar reabsorver praticamente todo o bicarbonato filtrado, o que normalmente já acontece em condições fisiológicas, e, o mais importante, vai precisar formar muito mais bicarbonato novo pra repor o que foi perdido na diarreia.

A diminuição do pH e da concentração de bicarbonato podem, de forma aguda, aumentar a atividade das proteínas transportadoras que secretam H+ e reabsorvem bicarbonato no túbulo proximal, e de forma crônica, aumentar a quantidade dessas proteínas, e a atividade e a quantidade das enzimas que produzem o íon amônio (NH4+) também no túbulo proximal, aumentando assim a excreção de H+ na forma de íon amônio e formando mais bicarbonato novo.

Além disso, de forma crônica, a diminuição do pH e a diminuição da concentração de bicarbonato podem diminuir a quantidade de células intercaladas beta secretoras de bicarbonato e aumentar a quantidade de células intercaladas alfa secretoras de H+ nos túbulos distais e ductos coletores, aumentando assim a formação de bicarbonato novo e a excreção H+ na forma de ácidos tituláveis e, principalmente, na forma de íons amônio (NH4+).

E aí, se a diarreia acabar, e os rins conseguirem normalizar a concentração de bicarbonato, o sistema respiratório também pode normalizar a PCO2, e o pH do sangue poderá então ser normalizado também.

-Ah, professora, mas e se a acidose for respiratória e não metabólica?

Bom, se a acidose for respiratória, como acontece por exemplo em casos de edema pulmonar, em que a difusão dos gases entre os alvéolos e os capilares pulmonares ficam prejudicados, o gás carbônico não consegue ser eliminado adequadamente e a PCO2 no sangue arterial aumenta, diminuindo assim o pH.

Embora os sistemas tampão minimizem essa diminuição do pH, eles não conseguem aumentar o pH. E como a função do sistema respiratório é que tá alterada causando diminuição da PCO2, o sistema renal precisa se virar sozinho, e tanto a diminuição do pH como o aumento da PCO2 funcionam como um sinal lá nos rins, os quais podem então aumentar a secreção de H+ e a reabsorção de bicarbonato, através dos mecanismos que a gente acabou de explicar.

Os rins passam então a excretar mais H+ na forma de ácidos tituláveis e íon amônio (NH4+), a reabsorver todo bicarbonato filtrado e ainda formar mais bicarbonato novo, aumentando assim a concentração de bicarbonato no sangue, compensando assim a acidose respiratória. Temos aqui um outro exemplo de compensação renal.

Caso o edema pulmonar seja resolvido, a PCO2 pode voltar ao normal, e os rins podem normalizar também a concentração de bicarbonato, normalizando assim o pH do sangue.

Então, levando em consideração tudo que a gente viu nesse vídeo, não há dúvidas de que os mecanismos homeostáticos do sistema renal é super importante pra regulação do pH.

Portanto, qualquer coisa que, de alguma forma, alterar o funcionamento desse sistema, alterando a secreção de H+, a reabsorção de bicarbonato, e a capacidade dos rins de excretar H+ na forma de ácidos tituláveis ou íons amônio (NH4+), poderá causar distúrbios ácido-base metabólicos, pois haverá alteração do pH com alteração concentração de bicarbonato.

Por exemplo, mutações nos genes que codificam proteínas transportadoras que realizam secreção de H+ ou reabsorção de bicarbonato, ou outras proteínas envolvidas nesses processos, podem provocar diminuição da secreção de H+ e diminuição da reabsorção de bicarbonato, causando assim um tipo de acidose metabólica específica que a gente chama de acidose tubular renal, que dependendo da proteína prejudicada pode apresentar vários tipos diferentes.

-Ah, professora, eu ouvi dizer também que se o volume do líquido extracelular ou a concentração de potássio nesse líquido alterar, a pessoa pode ter um distúrbio ácido-base, uma acidose ou uma alcalose metabólica, isso é verdade?

É verdade, porque lá nos rins, a regulação do volume do líquido extracelular e a regulação da concentração de potássio tão associados à regulação da secreção de H+. Então, quando o volume do líquido extracelular é alterado ou quando a concentração de potássio é alterada, os rins acionam mecanismos homeostáticos pra normalizar essas alterações, só que nisso eles acabam alterando a secreção de H+, o que pode alterar o pH do líquido extracelular.

Mas sobre essa relação entre volume do líquido extracelular, concentração de potássio e o pH, a gente deixa pra falar em outros vídeos.

Bom, então resumindo tudo o que a gente viu nesse vídeo, lembre-se que:

  • Diante de um quadro de alcalose, os rins podem diminuir a secreção de H+ e a reabsorção de bicarbonato, diminuindo assim a excreção de H+ na forma de ácidos tituláveis e na forma de íons amônio (NH4+), e aumentando a excreção de bicarbonato, causando assim uma diminuição do pH do líquido extracelular.

  • E diante de um quadro de acidose, os rins podem aumentar a secreção de H+ e a reabsorção de bicarbonato, aumentando assim a excreção de H+ na forma de ácidos tituláveis e na forma de íons amônio (NH4+), e aumentando a formação de novo bicarbonato que pode ser jogado no líquido extracelular, causando assim um aumento do pH desse líquido.

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A gente se vê num próximo vídeo. Abraço!

Sobre a autora

Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia humana, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. A sua última experiência como professora de fisiologia humana foi na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Fundadora da MK Educação Digital Ltda (MK Fisiologia), atualmente, Mirian é a mente criativa por trás de todos os conteúdos publicados nas redes sociais da empresa.

Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia humana, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana, principalmente através de suas videoaulas publicadas no canal do YouTube MK Fisiologia.

Foto da autora do post Mirian Ayumi Kurauti criadora do MK Fisiologia
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