[#2] SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO: Diferenças funcionais

Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "[#1] SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO PARASSIMPÁTICO E SIMPÁTICO: Diferenças funcionais".

TRANSCRIÇÕESSISTEMA NERVOSO

Mirian Kurauti

8/26/202411 min read

E aí pessoal, tudo bem com vocês?

Eu sou Mirian Kurauti aqui do canal MK Fisiologia e nesse vídeo a gente vai finalizar a nossa discussão sobre o sistema nervoso autônomo (SNA).

No vídeo anterior, a gente falou sobre as diferenças anatômicas entre as divisões parassimpática e simpática do sistema nervoso autônomo. Se você perdeu esse vídeo, é só clicar aqui no card pra assistir (ou aqui). Mas se você já assistiu, bora falar sobre as diferenças funcionais entre essas duas divisões do sistema nervoso autônomo (SNA).

Antes de mais nada, lembre-se que quando a gente estuda as diferenças funcionai, a gente estuda:

  1. os neurotransmissores que os neurônios pré e pós-ganglionares liberam;

  2. os receptores desses neurotransmissores localizados nas células alvo;

  3. e claro, as respostas fisiológicas que acontecem devido a ativação desses receptores nos órgãos alvos.

Então bora falar sobre as principais diferenças funcionais entre os sistemas parassimpático e simpático considerando: neurotransmissores, receptores e respostas fisiológicas.

Começando pelos neurotransmissores, preste atenção, tanto no sistema simpático quanto no parassimpático. O principal neurotransmissor liberado pelos neurônios pré-ganglionares, na sinapse com os neurônios pós-ganglionares, é a acetilcolina.

Nessa sinapse, a acetilcolina se liga em receptores ionotrópicos, ou seja, canais iônicos dependentes de ligante, no caso, dependentes de acetilcolina, os chamados receptores nicotínicos, que estão presentes na membrana dos neurônios pós-ganglionares.

Quando a acetilcolina se liga a esses receptores, o canal iônico é ativado permitindo, principalmente, o influxo ou a entrada de íons sódio no neurônio pós-ganglionar, gerando uma onda de despolarização ou um potencial excitatório pós-sináptico (PEPS), que pode se propagar até a zona de gatilho dos neurônios pós-ganglionares, e disparar potenciais de ação, os quais serão conduzidos até os terminais axonais, que irão liberar seus neurotransmissores nas sinapses com as células-alvo.

E quem são esses neurotransmissores? Será que é igual nas duas divisões?

Não, agora não é igual.

Enquanto os neurônios pós-ganglionares do simpático liberam principalmente noradrenalina, nas sinapses com as suas células alvo, os neurônios pós-ganglionares do parassimpático liberam principalmente acetilcolina.

Mas lembre-se que embora a noradrenalina seja de fato o principal neurotransmissor dos neurônios pós-ganglionares simpáticos, existem exceções. Por exemplo, os neurônios pós-ganglionares simpáticos que inervam as glândulas sudoríparas não liberam noradrenalina, mas sim acetilcolina.

Bom, agora que a gente já sabe que o principal neurotransmissor liberado pelos neurônios pós-ganglionares simpáticos e parassimpáticos é a noradrenalina e a acetilcolina, precisamos saber quais receptores esses neurotransmissores ativam na membrana das células alvo.

Começando pela noradrenalina, uma vez liberada ela se liga nos receptores adrenérgicos, que têm esse nome pois tanto a noradrenalina quanto a adrenalina podem ativar esses receptores.

Só um parêntese aqui. A adrenalina vem principalmente da glândula adrenal, que secreta esse hormônio na circulação sanguínea, quando estimulada pelo sistema simpático.

Já a acetilcolina liberada pelos neurônios pós-ganglionares parassimpáticos, se liga em receptores muscarínicos, que é bem diferente do receptor nicotínico, pois esses receptores não são ionotrópicos, eles são na verdade receptores metabotrópicos, aqueles acoplados à proteína G.

Na verdade, tanto os receptores muscarínicos da acetilcolina, quanto os receptores adrenérgicos da noradrenalina, são receptores acoplados à proteína G, ou seja, são receptores metabotrópicos.

Quando a acetilcolina ou a noradrenalina liberada pelos neurônios pós-ganglionares ativam esses receptores, uma resposta fisiológica é gerada nas células alvo, alterando o funcionamento do tecido alvo.

E quais são as respostas fisiológicas geradas no músculo cardíaco, no músculo liso e nas glândulas inervadas pelos neurônios pós-ganglionares simpáticos e parassimpáticos?

Embora pareça uma pergunta simples, a gente precisa ter em mente que um mesmo neurotransmissor pode gerar respostas fisiológicas diferente em um mesmo tipo de tecido.

Por exemplo, no músculo liso da parede de alguns vasos sanguíneos, como os vasos que irrigam o trato gastrointestinal, a noradrenalina ao se ligar no seu receptor adrenérgico, causa contração do músculo liso, causando assim vasoconstrição, o que diminui o fluxo sanguíneo no trato gastrointestinal.

Porém, no músculo liso da parede de outros vasos sanguíneos, como por exemplo, os vasos que irrigam os músculos esqueléticos, o mesmo neurotransmissor, a noradrenalina, causa relaxamento do músculo liso, causando assim vasodilatação, o que aumenta o fluxo sanguíneo nesse tecido.

E agora? O neurotransmissor é o mesmo. O que é que vai mudar para ter esses efeitos tão diferentes?

A resposta está nos receptores. Existem diferentes tipos de receptores adrenérgicos, todos são receptores metabotrópicos, ou seja, acoplados à proteína G, porém o tipo de proteína G ativada por cada receptor pode ser diferente. Dessa forma, as vias de sinalização intracelular serão diferentes, causando assim respostas diferentes.

E vale destacar ainda que entre os receptores adrenérgicos, os do tipo alfa tem maior afinidade pela noradrenalina, enquanto os do tipo beta tem maior afinidade pela adrenalina, assim dependendo do tipo de receptor adrenérgico presente nas células alvo, a gente pode ter um efeito mais seletivo da noradrenalina ou da adrenalina.

Mas voltando ao nosso exemplo, os receptores dos vasos sanguíneos do trato gastrointestinal são do tipo alfa 1, enquanto os receptores dos vasos que irrigam a musculatura esquelética são do tipo beta 2. E é exatamente isso que explica como um mesmo neurotransmissor pode ter efeitos diferentes em um mesmo tipo de tecido, nesse caso no músculo liso dos vasos sanguíneos.

A mesma coisa vale pros receptores muscarínicos da acetilcolina. Ou seja, são receptores que podem estar acoplados a diferentes tipos de proteínas G. Dessa forma, já foram identificados 5 tipos de receptores muscarínicos: M1, M2, M3, M4 e M5.

No músculo cardíaco, a acetilcolina se liga no receptor M2, causando uma diminuição da frequência dos batimentos cardíacos. Já no músculo liso da bexiga, no músculo detrusor, a acetilcolina se liga nos receptores M3, provocando a contração e o esvaziamento da bexiga.

Portanto, deve ficar claro que as respostas causadas pela noradrenalina e acetilcolina liberadas pelos neurônios pós-ganglionares do simpático e parassimpático, depende do tipo de receptores que esses neurotransmissores ativam nos diferentes tecidos alvo.

No geral, as divisões simpática e parassimpática atuam de maneira antagônica como se fosse o "acelerador" e o "freio" de um carro. Enquanto um aumenta a atividade de um determinado órgão, o outro diminui.

De forma resumida, enquanto o parassimpático estimula ações que predominam em condições de “repouso e digestão”, o simpático estimula ações que predominam em situações de “luta ou fuga”, ou melhor, em situações de estresse, como acontece durante o medo e a ansiedade.

Então pra você se lembrar das principais respostas fisiológicas do sistema simpático sobre os diferentes órgãos que ele inerva, é só lembrar do que acontece em uma situação de estresse.

Por exemplo, começou um tiroteio.

Isso rapidamente vai causar uma resposta em massa do sistema simpático, ou seja, uma super ativação desse sistema, liberando noradrenalina em vários órgãos, provocando: dilatação da pupila ou midríase, para enxergar melhor; uma saliva mais viscosa, dando a sensação de boca seca; dilatação os brônquios ou broncodilatação, isto é, dilatação das vias aéreas, para aumentar a oxigenação do sangue; aumento do bombeamento de sangue pelo coração, pra aumentar a distribuição de oxigênio e substratos energéticos pros músculos esqueléticos, cujos vasos sanguíneos sofrem vasodilatação por ação principalmente da adrenalina liberada na circulação, graças a ativação da glândula adrenal pelo próprio sistema simpático.

Ao mesmo tempo os vasos da pele e do trato gastrointestinal sofrem vasoconstrição, pro fluxo sanguíneo ser direcionado pros músculos esqueléticos.

Tudo isso prepara o seu organismo pra enfrentar a situação e ajudar outras pessoas, ou pra fugir do tiroteio, ou seja, prepara o organismo pra uma situação de “luta ou fuga”.

E pra lembrar das principais respostas fisiológicas do sistema parassimpático, basta lembrar que durante uma situação de “repouso e digestão”, predomina a ativação do sistema parassimpático, o qual libera acetilcolina em vários órgãos provocando respostas contrárias as do sistema simpático, como a contração dos brônquios ou broncoconstrição, diminuição do bombeamento de sangue pelo coração e, um dos efeitos mais importantes do parassimpático, ativação do sistema digestório.

A ativação do sistema digestório, estimula a motilidade do trato gastrointestinal e a secreção de várias substâncias dentro do tubo digestório, favorecendo assim a digestão dos alimentos ingeridos.

Agora uma informação importante!

Lembre-se que a gente pega esses dois extremos “repouso e digestão” e “luta ou fuga” pra vocês entenderem melhor as respostas fisiológicas antagônicas dessas duas divisões do sistema nervoso autônomo (SNA). Porém, é preciso ter em mente que nem sempre a gente tá nesses extremos com ativação em massa do sistema simpático, por exemplo.

Agora, gravando esse vídeo, eu não tô numa situação de “repouso e digestão”, e nem de “luta ou fuga”. Mas com toda essa luz chegando nos meus olhos, a inervação parassimpática da pupila é ativada e isso promove a contração da pupila ou miose, que diminui a entrada de luz no meu olho. E se eu apagasse todas essas luzes, a inervação simpática da pupila seria ativada e promoveria a dilatação da pupila ou midríase.

Ao mesmo tempo, lá na minha bexiga, a inervação simpática pode tá ativada, causando relaxamento do músculo detrusor da bexiga, permitindo assim o armazenamento da urina que tá sendo produzida pelos meus rins.

Mas daqui a pouco, eu posso ir ao banheiro, e a inervação parassimpática poderá ser ativada causando contração do músculo detrusor da bexiga, iniciando a micção.

Ou seja, a atividade das divisões parassimpática e simpática não precisa ser a todo momento generalizada, em massa, como acontece na resposta “luta ou fuga”, ela pode ser mais específica, mais localizada, controlando a atividade dos diferentes órgãos de acordo com a necessidade do organismo.

Então como vimos, a maioria dos órgãos tem um freio e um acelerador, ou seja, são inervados pelo parassimpático e simpático. No entanto, alguns órgãos apresentam apenas inervação simpática, como é caso dos vasos sanguíneos.

E aí eu pergunto: como que o simpático sozinho consegue regular a contração e o relaxamento dos músculos lisos da parede vascular?

A resposta é simples, a contração e o relaxamento desses vasos vão depender apenas da atividade dos neurônios pós-ganglionares simpáticos.

Quando a frequência de disparos de potenciais de ação aumenta, mais noradrenalina é liberada e maior será a contração dos vasos. Ao contrário quanto menor a frequência de disparos de potenciais de ação, menos noradrenalina é liberada e, portanto, menor a contração, e o músculo liso pode relaxar, dilatando os vasos sanguíneos.

Bom, diante de tudo que a gente viu até aqui, dá pra gente fazer uma reflexão.

Para os neurônios pós-ganglionares liberarem os seus neurotransmissores específicos sobre as células alvo, eles precisam ser estimulados pelos neurônios pré-ganglionares, certo? Mas aí eu pergunto: e quem é que estimula os neurônios pré-ganglionares simpáticos e parassimpáticos?

Para responder essa pergunta precisamos nos lembrar de como é controlado a atividade dos neurônios motores somáticos que inervam os músculos esqueléticos.

O controle mais simples que a gente viu era através de neurônios sensoriais específicos, cuja ativação causava diferentes tipos de reflexos medulares.

No sistema nervoso autônomo (SNA), também existem reflexos, os reflexos autonômicos ou autônomos.

Por exemplo, quando a comida que você ingeriu chega em uma região do intestino, ela provoca um estiramento da parede desse órgão. Isso pode ativar mecanorreceptores presentes nesse local, gerando potenciais de ação nos neurônios sensoriais, que conduzem essa informação até a medula espinal por exemplo.

De lá, a informação sensorial é transmitida localmente, pros neurônios pré-ganglionares parassimpáticos (no caso desse exemplo), os quais excitam os neurônios pós-ganglionares que finalmente liberam acetilcolina no músculo liso da parede intestinal, e ele contrai reflexamente, empurrando o alimento pra próxima região desse tubo.

Além da informação sensorial poder ativar os neurônios pré-ganglionares e iniciar respostas reflexas, vale lembrar que essas informações sensoriais também sobem em direção a centros superiores.

Algumas informações sensoriais detectadas nas vísceras, como por exemplo informações de dor, seguem pro córtex somatossensorial primário, semelhante a sensações da pele.

Porém, outros tipos de informações sensoriais, como a concentração de oxigênio no sangue e a pressão arterial, são enviadas pra regiões subcorticais, como o tronco encefálico e o hipotálamo.

No tronco encefálico, informações sensoriais sobre a concentração de oxigênio no sangue e sobre a pressão arterial, chegam principalmente no núcleo do trato solitário. Nesse núcleo existem neurônios que podem iniciar reflexos autônomos mais complexos, capazes de alterar o funcionamento dos sistemas respiratório e cardiovascular pra ajustar as concentrações de oxigênio e a pressão arterial quando necessário.

Essas e muitas outras informações sensoriais, também podem chegar no hipotálamo, que atua como um importante centro de controle do sistema nervoso autônomo (SNA).

O hipotálamo fica localizado abaixo do tálamo e ao redor do terceiro ventrículo. Sua principal função é manter as condições do meio interno adequadas pro funcionamento de todas as células sendo, portanto, considerado um centro muito importante do controle da homeostase.

O hipotálamo coordena funções autônomas como o controle da temperatura, da ingestão alimentar, do equilíbrio hídrico, entre muitas outras funções.

Pra isso o hipotálamo recebe informações sensoriais sobre a condição do meio interno e do meio externo, além de outros tipos de informações que vêm de estruturas relacionadas ao comportamento, como algumas áreas do córtex frontal, e de estruturas relacionadas à emoção, como a amigdala.

A partir de todas as informações que chegam, o hipotálamo pode então integrar tudo isso e gerar comandos descem pro tronco encefálico e pra medula espinal, alterando a atividade dos neurônios pré-ganglionares do sistema parassimpático e simpático, regulando assim a atividade de diversos órgãos, gerando respostas apropriadas pra cada situação, geralmente com o objetivo de manter o organismo em homeostase.

Bom, então resumindo tudo que a gente viu nesse vídeo, lembre-se que:

  • Os neurônios pós-ganglionares parassimpáticos liberam acetilcolina e os simpáticos liberam noradrenalina.

  • A acetilcolina ativa receptores muscarínicos e a noradrenalina ativa receptores adrenérgicos nas células alvo.

  • As respostas fisiológicas do parassimpático e simpático dependem dos receptores muscarínicos e adrenérgicos ativados pela acetilcolina e noradrenalina.

  • No geral os sistemas simpático e parassimpático tendem a gerar respostas antagônicas no mesmo órgão.

  • Enquanto o simpático gera respostas de “luta ou fuga”, o parassimpático gera respostas de “repouso e digestão”.

  • A ativação dos sistemas parassimpático e simpático depende de reflexos autônomos e de estímulos vindos de centros superiores como o hipotálamo.

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Sobre a autora

Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. Atualmente, é professora de fisiologia humana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a mente criativa por trás do MK Fisiologia.

Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando fisiologia. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana.

Foto da autora do post Mirian Ayumi Kurauti criadora do MK Fisiologia
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