[#1] Controle do fluxo sanguíneo: CONTROLE LOCAL ou INTRÍNSECO do FLUXO SANGUÍNEO TECIDUAL

Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "[#1] Controle do fluxo sanguíneo: CONTROLE LOCAL ou INTRÍNSECO do FLUXO SANGUÍNEO TECIDUAL".

TRANSCRIÇÕESSISTEMA CARDIOVASCULAR

Mirian Kurauti

11/24/202510 min read

E aí pessoal, tudo bem com vocês?

Depois de estudar a microcirculação, nesse vídeo, a gente vai falar sobre a regulação da microcirculação, ou melhor, a gente vai falar sobre o controle do fluxo sanguíneo nos tecidos. Bora?

Como a gente viu nos vídeos anteriores, é através da microcirculação que o sistema cardiovascular fornece oxigênio (O2) e nutrientes, e remove dióxido de carbono ou gás carbônico (CO2) e resíduos metabólicos dos tecidos do organismo.

Então, se eu quiser regular ou controlar esse fornecimento de oxigênio e nutrientes e essa remoção de gás carbônico e resíduos metabólicos nos tecidos, eu preciso controlar o fluxo sanguíneo nos “vasos de troca” da microcirculação desses tecidos, ou seja, eu preciso controlar o fluxo de sangue nos capilares sanguíneos desses tecidos.

-Mas como exatamente o fluxo sanguíneo é controlado nesses capilares sanguíneos?

Pra responder essa pergunta, a gente precisa lembrar que o fluxo de sangue nesses capilares é determinado pelo gradiente de pressão (ΔP), isto é, pela diferença de pressão no início e no final desses capilares, e pela soma das resistências pré-capilar, capilar e pós-capilar.

Porém, como a resistência pré-capilar é muito maior que as demais resistências, é essa resistência pré-capilar, isto é, a resistência das arteríolas, a principal determinante do fluxo sanguíneo nos capilares sanguíneos.Portanto, pra controlar o fluxo sanguíneos nos capilares, é preciso controlar a resistência das arteríolas.

-Tá, professora, mas como que controla a resistência das arteríolas?

Pra responder essa pergunta, a gente precisa lembrar que a resistência ao fluxo sanguíneo é determinada principalmente pelo raio dos vasos, ou seja, a resistência das arteríolas é determinada principalmente pelo raio das arteríolas. Então, pra controlar a resistência das arteríolas é preciso controlar o raio das arteríolas que, como a gente sabe, ou pelo menos deveria saber, é controlado pelas células musculares lisas que formam a musculatura lisa da parede das arteríolas.

Quando essa musculatura contrai, as arteríolas sofrem vasoconstrição e o raio diminui, aumentando a resistência; e quando essa musculatura relaxa, as arteríolas sofrem vasodilatação e o raio aumenta, diminuindo a resistência.

Agora, como a musculatura lisa contrai e relaxa, isso a gente explicou nas videoaulas sobre o músculo liso. Então, se você não lembra como o músculo liso contrai e relaxa, eu vou deixar aqui no card (ou aqui) as videoaulas pra você pra você refrescar a sua memória.

Mas se você lembra como o músculo liso contrai e relaxa, ou se você já foi lá refrescar a sua memória, você tá pronto pra entender como é controlado o fluxo de sangue nos capilares sanguíneos.

Então, presta atenção. Se a resistência é inversamente proporcional ao fluxo sanguíneo, quando a musculatura lisa das arteríolas contrai, a resistência aumenta e o fluxo diminui.

Se pensar assim é difícil pra você, pensa dessa outra forma.

Quando a resistência das arteríolas aumenta, a “porta de entrada” pros capilares fica mais fechada e menos sangue pode fluir, ou seja, menor vai ser o fluxo sanguíneo nos capilares.

Mas quando a musculatura lisa das arteríolas relaxa, a resistência das arteríolas diminui e o fluxo aumenta, ou seja, quando a resistência diminui, a “porta de entrada” para os capilares fica mais aberta e mais sangue pode fluir, ou seja, maior vai ser o fluxo sanguíneo nos capilares.

-Beleza, professora, mas o que exatamente pode fazer a musculatura lisa das arteríolas contrair e relaxar pra controlar o fluxo sanguíneo nos tecidos?

Pra responder essa pergunta, a gente vai dividir os mecanismos de regulação ou controle do fluxo sanguíneo nos tecidos em:

  1. Regulação ou controle local/intrínseco;

  2. Regulação ou controle extrínseco.

Então, começando pelo controle local/intrínseco, nós temos um controle que depende de fatores liberados localmente nos tecidos que podem agir na musculatura lisa vascular, chamados de fatores locais; e um controle que é intrínseco da musculatura lisa vascular, ou seja, que é próprio dessa musculatura lisa, que a gente chama de resposta miogênica.

Falando primeiro sobre essa resposta miogênica, ela é basicamente um mecanismo de autorregulação do fluxo sanguíneo realizado pela própria musculatura lisa vascular.

Quando a células musculares dessa musculatura lisa são estiradas ou esticadas, como acontece quando a pressão sanguínea aumenta, essas células respondem com uma contração muscular, ou seja, com uma vasoconstrição. Isso porque, na membrana plasmática dessas células musculares lisas parece ter canais iônicos mecânicos, ou seja, canais iônicos sensíveis ao estiramento que se abrem quando a membrana plasmática é estirada. E uma vez aberto, esses canais permitem a entrada de íons positivos, ou seja, cátions como os íons sódio e cálcio, que podem despolarizar a membrana e iniciar os mecanismos de contração do músculo liso, no caso do íon cálcio.

A despolarização da membrana induz a abertura de canais de cálcio dependentes de voltagem e mais cálcio pode entrar nas células musculares lisas ativando ainda mais os mecanismos de contração do músculo liso, o que leva à vasoconstrição das arteríolas.

-Mas, professora, eu não tô entendendo como isso funciona como um mecanismo de autorregulação do fluxo sanguíneo.

Quando a pressão sanguínea aumenta, o gradiente de pressão aumenta e o fluxo, consequentemente, aumenta. Porém, esse aumento do gradiente de pressão pode ser compensado pela a contração da musculatura lisa (ou seja, pela vasoconstrição) que diminui o raio das arteríolas, e aumenta a resistência desses vasos quase que na mesma proporção do aumento do gradiente de pressão. E aí dá elas por elas, né, e o fluxo sanguíneo se mantém praticamente constante, como a gente pode observar aqui nesse gráfico.

Como a gente pode ver em vermelho, assim que a pressão diminui, o fluxo sanguíneo diminui, e assim que a pressão aumenta, o fluxo também aumenta num primeiro momento, mas depois de um tempo, mesmo com a pressão diminuída ou aumentada, o fluxo sanguíneo praticamente volta pra próximo de 2 ml/min/100 gramas de tecido, ou seja, praticamente volta pros valores de fluxo quando a pressão é igual a 100 mmHg.

Isso mostra que a resposta miogênica pode tanto provocar vasoconstrição e regular o fluxo sanguíneo pra menos quando a pressão aumenta, como pode provocar vasodilatação e regular o fluxo sanguíneo pra mais quando a pressão diminui, mantendo assim o fluxo sanguíneo quase constante, mas isso dentro de um certo limite, dentro de um intervalo que vai de 20 a 120 mmHg. Quando a pressão cai abaixo de 20 ou sobe acima de 120, a reposta miogênica já não dá mais conta de segurar e manter o fluxo sanguíneo.

Ou seja, esse mecanismo de autorregulação do fluxo sanguíneo é um mecanismo muito eficiente pra manter o fluxo sanguíneo quase constante nos tecidos, mesmo durante oscilações momentâneas da pressão sanguínea (Obs. considerando oscilações momentâneas da pressão entre 20 e 120 mmHg).

Mas agora, vamos imaginar uma situação em que a pressão aumenta, como exemplo durante um exercício físico. O aumento da pressão arterial ativa a resposta miogênica e as arteríolas dos tecidos sofrem vasoconstrição pra manter o fluxo sanguíneo constante nos tecidos. Porém, nos músculos esqueléticos que tão sendo usados no exercício, o fluxo sanguíneo não pode continuar constante, o fluxo precisa aumentar pra aumentar o fornecimento de oxigênio e nutrientes, e também a remoção de gás carbônico e resíduos metabólicos, certo?

-Mas e aí, como faz pra aumentar o fluxo sanguíneo nesse caso?

Bom, nesse caso, entram em cena alguns fatores locais que a gente pode chamar de fatores metabólicos.

Quando um tecido aumenta sua atividade metabólica ele consome mais oxigênio e produz mais gás carbônico e outros metabólitos, e são exatamente esses fatores metabólicos, redução local de oxigênio, aumento local de gás carbônico, e aumento local de outros metabólitos (como por exemplo íons K+, íons H+ e adenosina vinda da “quebra” do ATP), que podem causar um relaxamento da musculatura lisa vascular, ou seja, que podem causar vasodilatação. Isso aumenta o raio das arteríolas, diminuindo a resistência desses vasos, aumentando o quê? O fluxo sanguíneo.

Muitos dos mecanismos pelos quais esses fatores metabólicos causam o relaxamento da musculatura lisa ainda tão sendo estudados, mas alguns mecanismos a gente já tem bastante informações, e se você quiser saber mais sobre esses mecanismos é só consultar os livros mais detalhados que eu vou deixar recomendado aqui na descrição desse vídeo, beleza?

Como objetivo aqui é descomplicar, o que você precisa pelo menos entender nesse momento, é que esses fatores metabólicos podem se sobrepor aos mecanismos de autorregulação do fluxo sanguíneo, e por isso esses fatores metabólicos são os principais responsáveis pelo aumento do fluxo sanguíneo quando um determinado tecido tem sua atividade metabólica aumentada.

Agora, continuando nossa discussão sobre a regulação local ou controle local do fluxo sanguíneo, a gente ainda tem outros fatores locais liberados pelas células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos. E aí, como esses fatores locais agem nas células vizinhas às células endoteliais, como por exemplo as células musculares lisas vascular, a gente pode chamar esses fatores de fatores parácrinos.

E dentre esses fatores parácrinos liberados pelas células endoteliais, a gente tem tanto fatores que causam vasodilatação e assim aumentam o fluxo sanguíneo, como também fatores que causam vasoconstrição e assim diminuem o fluxo sanguíneo.

O principal vasodilatador liberado pelas células endoteliais é o óxido nítrico (NO). A produção e liberação do óxido nítrico pelas células endoteliais é estimulada principalmente pela tensão de cisalhamento como a gente explicou num vídeo anterior. Uma tensão de cisalhamento “normal” ou “fisiológica” estimula as células endoteliais a produzirem e liberarem óxido nítrico que mantém um nível de vasodilatação necessária pra manter um fluxo sanguíneo adequado.

Já o principal vasoconstritor liberado pelas células endoteliais é a endotelina. A produção e liberação desse fator parácrino pelas células endoteliais é estimulada principalmente por lesões e inflamações do endotélio vascular. Portanto, lesões e inflamações estimulam a células endoteliais a produzirem e secretar a endotelina a qual estimula a vasoconstrição, diminuindo o fluxo sanguíneo.

E, além desses fatores parácrinos liberados pelas células endoteliais, a gente ainda pode ter fatores parácrinos produzidos e liberados por outros tipos de células, como por exemplo a histamina, liberada por células do sistema imunológico, chamadas de mastócitos durante processos inflamatórios; e a serotonina, liberada pelas plaquetas durante a coagulação sanguínea.

Enquanto a histamina causa relaxamento da musculatura lisa vascular, e vasodilatação que aumenta o fluxo sanguíneo, importante pra uma resposta inflamatória em um tecido por exemplo, a serotonina causa contração da musculatura lisa, e vasoconstrição que diminui o fluxo sanguíneo, importante pra diminuir um possível sangramento em uma lesão tecidual por exemplo.

E pra finalizar, uma coisa muito importante que a gente precisa destacar aqui, é que embora esses fatores parácrinos liberados pelas células endoteliais, pelos mastócidos e pelas plaquetas, possam participar do controle do fluxo sanguíneo nos tecidos, esses controles parecem ter mais importância pra manutenção da saúde do sistema cardiovascular e pras respostas inflamatórias, como no caso da histamina, do que pro controle do fluxo sanguíneos nos tecidos em si.

Já os fatores metabólicos sim, parecem ser mais importantes pro controle do fluxo sanguíneo nos tecidos.

Por exemplo, quando um tecido tá com baixa atividade metabólica, a gente vai ter menos fatores metabólicos e o fluxo sanguíneo vai ser mais baixo nesse tecido; mas quando um tecido tá com alta atividade metabólica, a gente vai ter mais fatores metabólicos e o fluxo sanguíneo vai ser mais alto nesse tecido.

Perceba então como esse tipo de controle local ou intrínseco acontece, como o próprio nome diz, através da autorregulação da musculatura lisa das arteríolas, e através dos fatores locais. Já o controle extrínseco que a gente vai deixar pra falar no próximo vídeo, acontece, como o próprio nome sugere, através de fatores externos ao tecido.

Bom, então resumindo tudo o que a gente viu nesse vídeo, lembre-se que:

  • O fluxo sanguíneo nos tecidos pode ser regulado por mecanismos de controle local ou intrínseco e por mecanismos de controle extrínseco.

  • Dentre os mecanismos de controle local ou intrínseco nós temos a resposta miogênica que funciona como um mecanismo de autorregulação do fluxo sanguíneo. Quando a pressão aumenta e o fluxo aumenta, a musculatura lisa vascular contrai, aumentando a resistência pra manter o fluxo sanguíneo constante.

  • E além desse mecanismo de autorregulação, nós temos também: os fatores locais metabólicos, e os fatores locais parácrinos produzidos pelas células endoteliais e outros tipos de células que podem ser encontradas nos tecidos.

Bom, espero que esse vídeo tenha te ajudado de alguma forma, e se ele te ajudou não esquece de curtir e compartilhar esse vídeo com aquele seu amigo que também tá precisando estudar esse conteúdo.

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E como sempre qualquer dúvida pode deixar aí nos comentários que a gente tenta responder, beleza?

A gente se vê num próximo vídeo, abraço!

Sobre a autora

Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia humana, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. A sua última experiência como professora de fisiologia humana foi na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Fundadora da MK Educação Digital Ltda (MK Fisiologia), atualmente, Mirian é a mente criativa por trás de todos os conteúdos publicados nas redes sociais da empresa.

Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia humana, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana, principalmente através de suas videoaulas publicadas no canal do YouTube MK Fisiologia.

Foto da autora do post Mirian Ayumi Kurauti criadora do MK Fisiologia
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