Fisiologia do músculo liso: CONTRAÇÃO DO MÚSUCULO LISO

Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "[#1] Fisiologia do músculo liso: CONTRAÇÃO DO MÚSUCULO LISO".

TRANSCRIÇÕESSISTEMA MUSCULAR

Mirian Kurauti

8/8/202410 min read

E aí pessoal, tudo bem com vocês?

Eu sou Mirian Kurauti aqui do canal MK Fisiologia e nesse vídeo a gente vai começar a falar sobre a fisiologia do músculo liso.

Então pra começar, lembre-se que esse tipo de músculo pode ser encontrado principalmente na parede de órgãos ocos, como o estômago, o intestino, a bexiga e o útero; e na parede de estruturas tubulares como os vasos sanguíneos e as vias aéreas, principalmente os brônquios e os bronquíolos.

Nesses órgãos e estruturas tubulares, o músculo liso tem várias funções como por exemplo, misturar e mover o alimento dentro do estômago e do intestino, e regular o diâmetro dos vasos sanguíneos e das vias aéreas regulando assim o fluxo de sangue e fluxo de ar dentro desses tubos.

Além disso, no seu olho, também tem músculo liso, na íris regulando o diâmetro da sua pupila, ou seja, regulando a entrada de luz no seu olho; e também ao redor do cristalino, regulando a curvatura dessa lente, pra regular assim o foco da sua visão.

Ah e ainda tem músculo liso na sua pele, que se associa na base dos pelinhos da sua pele. A contração desse músculo provoca o arrepio desses pelinhos, ou seja, provoca a piloereção.

Resumindo, o músculo liso tem várias funções, e a maioria dessas funções são fundamentais pra manutenção da homeostase ou homeostasia.

Então diante da importância desse tipo de músculo, bora estudar com mais detalhes o músculo liso.

Pra isso, vamos pegar um pedacinho desse tipo de músculo e colocar no microscópio óptico.

Logo de cara você vai notar uma diferença entre o músculo liso e os músculos estriados, esquelético e cardíaco.

Observe que nesse tipo músculo não tem estrias, ou seja, não tem aquelas bandas claras e escuras que a gente observa nos músculos estriados, por isso esse tipo de músculo é chamado de músculo liso.

E sabe o que isso significa?

Significa que nesse tipo de músculo os filamentos finos e os filamentos grossos, não se organizam em sarcômeros. Como assim?

Vamos pegar uma célula muscular de um músculo liso. Aqui a gente pode notar outra diferença em relação ao músculo estriado esquelético.

Enquanto as fibras musculares esqueléticas têm vários núcleos, ou seja, são multinucleadas e bem longas, as células musculares lisas só têm um núcleo e são bem curtinhas.

Nas fibras musculares esqueléticas, os filamentos finos se ancoram em estruturas proteicas chamadas de linhas Z ou discos Z formando os sarcômeros que se organizam em série formando as miofibrilas, as quais se organizam paralelamente umas às outras seguindo o comprimento da fibra muscular esquelética. É esse alinhamento uniforme que formam as bandas claras e escuras, ou seja, que formam as estrias que a gente observa nesse tipo de músculo.

Já nas células musculares lisas, os filamentos finos se ancoram em estruturas proteicas chamadas de corpos densos formando como se fossem “mini sarcômeros”, mas que não se organizam em série e não formam miofibrilas paralelas ao longo do comprimento da célula.

Por isso a contração da célula muscular lisa pode causar o encurtamento da célula em várias direções.

Uma diferença entre esses “mini sarcômeros” da célula muscular lisa e os sarcômeros das fibras musculares esqueléticas é a disposição das cabeças, ou melhor das pontes cruzadas das miosinas que formam o filamento grosso.

No músculo esquelético essas pontes cruzadas ficam dispostas nas extremidades puxando os filamentos fino em direção ao centro do sarcômero.

No músculo liso essas pontes cruzadas ficam dispostas ao longo de todo filamento grosso, puxando os filamentos finos que estão ancorados aos corpos densos de tal forma que consegue aproximar esses corpos densos encurtando assim os “mini sarcômeros”.

Outra diferença importante entre o músculo liso e o músculo esquelético é que as células musculares lisas não se ancoram aos ossos do esqueleto como as fibras musculares esqueléticas, na verdade, como a maioria dos músculos lisos é formado por várias camadas de células musculares essas células acabam se inserindo umas nas outras através de junções aderentes que ocorrem entre dois corpos densos, ou placas densas, ancorados na membrana celular de duas células vizinhas.

Assim a força mecânica causada pela contração pode ser transmitida de célula pra célula. Ou seja, quando uma célula contrai ela puxa a outra, que também pode puxar de volta e todo mundo se puxa, alterando o comprimento de todo o músculo liso.

Tá professora, mas esse mecanismo de contração aí do músculo liso é igualzinho aquele mecanismo de contração que a gente viu no músculo esquelético?

É parecido, mas não é igual. E conhecer as principais diferenças entre esses mecanismos de contração é o principal objetivo dessa aula.

Então pra entender essas diferenças, a gente precisa olhar mais de perto a estrutura da célula muscular lisa, principalmente os filamentos finos dessa célula.

Preste atenção, esses filamentos são formados por actina, tromiosina, mas não por troponina que tem lá na fibra muscular esquelética. Aqui na célula muscular lisa não tem troponina.

E você lembra qual era a função da troponina lá no músculo esquelético?

A troponina era tipo um sensor de cálcio, quando a concentração de cálcio no citoplasma aumentava, o cálcio se ligava na troponina e ela puxava a tropomiosina, e deslocava essa proteína pra ela liberar o sítio de ligação da miosina na actina, permitindo assim a interação entre as pontes cruzadas da miosina e a actina, dando início ao ciclo das pontes cruzadas e a contração muscular.

Tá, então se no músculo liso não tem troponina, quer dizer que a tromiosina vai ficar lá inibindo a interação entre a actina e as pontes cruzadas da miosina?

Na verdade não, porque no músculo liso a tromiosina não fica bloqueando os sítios de ligação da miosina na actina, e a gente nem sabe direito a função da tromiosina no músculo liso.

Então se a tromiosina não bloqueia a interação entre a actina e as pontes cruzadas da miosina, quer dizer que essa interação pode acontecer a todo momento?

Na verdade, não de novo, porque aqui no músculo liso a miosina é diferente e as pontes cruzadas dessa miosina não conseguem interagir com a actina sem que ocorra um estímulo específico.

E adivinha que estímulo é esse?

Cálcio! Sim, o mesmo estímulo que inicia a contração do músculo esquelético. Mas preste atenção que aqui o cálcio faz uma coisa diferente.

Lembre-se que no músculo liso não tem troponina, então outra proteína vai ter que ser o sensor de cálcio nesse tipo de músculo. Essa proteína é a calmodulina.

Então quando a concentração de cálcio no citoplasma aumenta, o cálcio se liga na calmodulina formando o complexo cálcio-calmodulina. Esse complexo ativa uma proteína quinase, ou seja, uma proteína que adiciona fosfato em outras proteínas, uma proteína que como a gente costuma falar, fosforila outras proteínas.

Essa proteína quinase ativada pelo complexo cálcio-calmodulina é a quinase da cadeia leve da miosina, ou MLCK. E como o próprio nome diz, essa quinase fosforila a cadeia leve da miosina, ou seja, pega um fosfato de uma molécula de ATP e adiciona na estrutura da cadeia leve da miosina.

Quando isso acontece, a afinidade da ponte cruzada da miosina pela actina aumenta, e agora sim ela pode interagir com a actina, dando início ao ciclo das pontes cruzadas.

Esse ciclo é bem parecido com o ciclo que a gente viu lá no músculo esquelético, ou seja, quando a miosina se liga na actina, o ATP parcialmente hidrolisado em ADP mais fosfato se desliga o que induz uma alteração na conformação da miosina, provocando o seu dobramento que faz o filamento fino se deslizar sobre o filamento grosso.

E pra que a miosina se desligue da actina, uma molécula de ATP deve se ligar na miosina. Essa ligação do ATP, diminui a afinidade da miosina pela actina.

Ao se desligar, a miosina, que tem atividade ATPase, hidrolisa o ATP em ADP mais fosfato, o que libera energia pra desdobrar a miosina, que retorna pra posição inicial, se preparando pra mais um ciclo.

E enquanto a miosina tiver fosforilada, o ciclo das pontes cruzadas continua.

Tá mas, e quando tiver que relaxar o músculo liso, como faz pra remover o fosfato, ou como a gente costuma falar, como faz pra desfosforilar a miosina?

Lembre-se que nas células musculares lisas, existe uma proteína que remove o fosfato da miosina que foi fosforilada pela MLCK. Essa proteína é a fosfafase da miosina, uma proteína que tá sempre lá desfoforilando a miosina.

Mas, enquanto a concentração de cálcio no citoplasma tiver elevada, o cálcio vai tá ativando a calmodulina, que vai tá ativando a MLCK, que vai tá fosforilando a miosina, então vai ter muita fosforilação acontecendo, mais fosforilação do que desfosforilação, e a miosina permanece fosforilada, e o ciclo das pontes cruzadas continua acontecendo.

Quando o músculo tiver que relaxar, a concentração de cálcio no citoplasma diminui, diminuindo a ativação da calmodulina e a ativação da MLCK, diminuindo assim a fosforilação da miosina. Quando isso acontece, a velocidade da desfosforilação pela fosfatase da miosina que tá lá acontecendo o tempo todo, vai conseguir superar a velocidade da fosforilação pela MLCK, ou seja, vai ter mais desfosforilação do que fosforilação acontecendo.

Com a miosina desfosforilada, o ciclo das pontes cruzadas acaba e o músculo liso relaxa.

Então se a gente parar pra pensar, no músculo liso a contração é regulada por alterações no filamento grosso, e não por alterações no filamento fino como acontece no músculo esquelético. Lembre-se disso.

Outra diferença entre o músculo liso e o músculo esquelético que podemos destacar é velocidade do ciclo das pontes cruzadas que é menor no músculo liso do que no músculo esquelético, isso porque a miosina desses músculos é diferente.

A miosina encontrada nas células musculares lisas tem menor atividade ATPase, isto é, ela é mais devagar pra hidrolisar o ATP, ela é mais devagar pra quebrar o ATP. Assim, o ciclo das pontes cruzadas é mais lento no músculo liso, e por isso a velocidade de contração desse tipo de músculo costuma ser menor quando a gente compara com a velocidade de contração do músculo esquelético.

Mas essa menor velocidade de contração no músculo liso, no final das contas, acaba consumindo menos energia, ou menos ATP, pra uma determinada tensão, pois independente, se o ciclo é rápido ou lento, é um ATP que a gente gasta por ciclo.

E essa economia de energia, pode ser ainda maior em alguns tipos de músculo liso, principalmente naqueles que precisam manter uma contração por longos períodos, como é o caso do músculo liso dos vasos sanguíneos e dos esfíncteres.

Nesses tipos de músculos lisos, a miosina pode ser desfosforilada quando ela ainda tá ligada na actina e isso trava essa ligação, gerando um estado de “trava” ou um estado de “tranca”.

Nesse estado a miosina permanece ligada na actina por um período mais longo, e enquanto ela permanece ligada ela continua gerando tensão e o músculo permanece contraído, gastando pouquíssimo ATP.

Esse mecanismo é muito importante, por exemplo, nos músculos dos esfíncteres que podem permanecer contraídos na maior parte do tempo gastando o mínimo de energia possível. Legal né?

Bom, então resumindo o mecanismo de contração do músculo liso, lembre-se que:

  • Quando a concentração de cálcio aumenta no citoplasma, o cálcio se liga na calmodulina, formando o complexo cálcio-calmodulina. Esse complexo então ativa a quinase da cadeia leve da miosina ou MLCK que fosforila a cadeia leve da miosina.

  • Essa fosforilação ativa a miosina que agora pode interagir com a actina, dando início ao ciclo das pontes cruzadas.

  • Quando a concentração de cálcio diminui no citoplasma, o complexo cálcio-calmodulina se desfaz, e sem esse complexo a MLCK é inativada. A velocidade de fosforilação da miosina agora diminui e a velocidade de desfosforilação realizada pela fosfatase da miosina passa a ser maior que a velocidade de fosforilação.

  • Com a miosina sendo desfosforilada pela sua fosfatase, o ciclo das pontes cruzadas se encerra, e o músculo relaxa.

Então, como vimos, pra contrair o músculo liso, a concentração de cálcio no citoplasma precisa aumentar, e pra relaxar a concentração desse íon precisa diminuir. Mas a pergunta que fica é: como o cálcio aumenta, quando o músculo precisa se contrair, e como o cálcio diminui, quando o músculo precisa relaxar?

Essa pergunta a gente responde no próximo vídeo, não perca!

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Sobre a autora

Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. Atualmente, é professora de fisiologia humana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a mente criativa por trás do MK Fisiologia.

Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando fisiologia. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana.

Foto da autora do post Mirian Ayumi Kurauti criadora do MK Fisiologia
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