SISTEMA SENSORIAL SOMÁTICO (SOMATOSSENSORIAL): TATO E TEMPERATURA

Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "SISTEMA SENSORIAL SOMÁTICO (SOMATOSSENSORIAL): TATO E TEMPERATURA".

TRANSCRIÇÕESSISTEMA NERVOSO

Mirian Kurauti

8/3/202412 min read

E aí pessoal, tudo bem com vocês?

Eu sou Mirian Kurauti aqui do canal MK Fisiologia e nesse vídeo a gente vai falar sobre um pouco sobre o sistema sensorial somático, também conhecido como sistema somatossensorial.

Pra começar a gente por fazer a seguinte pergunta:

"Por que somatossensorial?"

Lembre-se que SOMA significa CORPO, portanto, SOMAtossensorial porque é responsável pelas sensações que acontecem em praticamente todo o corpo. Esse sistema apresenta três funções básicas:

  1. a interocepção,

  2. a propriocepção e

  3. a exterocepção.

"Mas o que são exatamente essas três funções?"

A INTEROCEPÇÃO corresponde as sensações do funcionamento do corpo, bem como as sensações do estado do meio interno, por exemplo, sensações sobre a pressão arterial e sensações sobre a concentração de oxigênio no sangue.

Muitas dessas sensações não se tornam conscientes, mas essas informações sensoriais são necessárias pra que o sistema nervoso regule as funções vitais, como por exemplo os batimentos cardíacos e a respiração.

A PROPRIOCEPÇÃO, isto é, a percepção de si próprio, nos permite ter a consciência sobre a postura e os movimentos do corpo. Mesmo de olhos fechados, a gente tem a consciência da posição de cada parte do nosso corpo.

Por fim, a EXTEROCEPÇÃO, envolve todas as sensações provocadas pela interação do corpo com o meio externo.

Sentir quando algo toca na sua pele, ou sentir a textura de um objeto que tá na sua mão, são exemplos de exterocepção.

Nesse vídeo, a gente vai focar nessa última função do sistema somatossensorial, a EXTEROCEPÇÃO.

Bom, dentro dessa função a gente tem três submodalidades do sistema somatossensorial: tato, temperatura e dor. Mas nesse vídeo, a gente vai falar sobre as duas primeiras submodalidades: tato e temperatura, pois a gente já tem videoaulas completas sobre a dor no nosso canal.

Bom, então pra explorar essas submodalidades, o tato e a temperatura, a gente vai usar como exemplo a parte do corpo que mais interage com o meio externo: a mão.

Percebam que a mão tem, dois tipos de peles: uma pele com pelos, a pele pilosa, no dorso da mão, e uma pele sem pelos, a pele glabra, na palma da mão, que é muito mais sensível do que a pele pilosa.

Vamos pegar então, um pedacinho da pele glabra da ponta do dedo indicador, uma das áreas com maior sensibilidade do nosso corpo. Dando um zoom aqui, a gente pode observar basicamente 5 tipos de receptores sensoriais.

Os receptores A, B, D e E, são receptores sensíveis a estímulos mecânicos, ou seja, são sensíveis a pressão sobre a pele, sendo, portanto, classificados como mecanorreceptores. Nesses 4 primeiros receptores, as terminações nervosas estão associadas a outras estruturas não neurais, formando: o corpúsculo de Meissner, o disco de Merkel, o corpúsculo de Pacini e as terminações de Ruffini. Todos esses mecanorreceptores são responsáveis pelas sensações de tato.

Já o receptor C, não tem suas terminações nervosas associadas com outras estruturas não neurais e, portanto, são chamados de terminações nervosas livres. Algumas dessas terminações são termorreceptores, isto é, são sensíveis a estímulos térmicos sendo, portanto, responsáveis pelas sensações de temperatura.

Outras terminações nervosas livres são nociceptores, isto é, são sensíveis à estímulos nocivos, sendo responsáveis pelas sensações de dor, que a gente que a gente dá mais detalhes em um outro vídeo.

Então, voltando aos mecanorreceptores do tato, como vimos, todos eles são terminações nervosas associadas a estruturas não neurais. Nos corpúsculos de Meissner e Pacini, e nas terminações de Ruffini, as terminações nervosas são envoltas por um material gelatinoso, formando uma cápsula que envolve essas terminações. Já nos discos de Merkel, cada terminação nervosa se associa com uma célula não neural, a célula de Merkel.

Bom, mas independente da sua estrutura, todos esses receptores detectam pressão pois na membrana das suas terminações nervosas, estão presentes canais iônicos sensíveis a pressão, ou simplesmente canais mecânicos. Esse tipo de canal é ativado e se abre quando uma força mecânica, isto é, quando uma pressão, é exercida sobre a pele.

Por exemplo, quando eu pressiono a minha pele, os canais mecânicos das terminações nervosas são ativados e se abrem, permitindo o influxo, ou a entrada de íons sódio e cálcio, principalmente. A entrada de cargas positivas, gera um potencial receptor, nesse caso uma onda despolarizante, que pode se propagar até a zona de gatilho, e se a despolarização for o suficiente pra alcançar o limiar de excitabilidade, potenciais de ação serão ser disparados.

Embora todos os mecanorreceptores do tato apresentam mecanismos de transdução sensorial semelhantes, isto é, ativação de canais mecânicos, eles podem apresentar diferentes tamanhos de campos receptivos. Reparem que o corpúsculo de Meissner e o disco de Merkel que ficam mais próximos da na superfície da pele, apresentam campos receptivo menores do que o corpúsculo de Pacini e as terminações de Ruffini que são maiores e ficam localizados em regiões mais profundas da pele.

Como o corpúsculo de Meissner e o disco de Merkel apresentam pequenos campos receptivos, são eles que nos permite identificar dois estímulos em distâncias muito pequenas, nas pontas dos dedos, que estão cheias desses receptores.

Além do tamanho dos campos receptivos, os mecanorreceptores do tato podem apresentar mecanismos de adaptação diferentes. Por exemplo, os corpúsculos de Meissner e de Pacini, frente a um estímulo contínuo e de intensidade constante, se adaptam rapidamente, ou seja, param de disparar potenciais de ação rapidamente sendo, portanto, classificados como receptores de adaptação rápida.

Esses receptores são responsáveis pelas sensações de texturas dos objetos, pois detectam as elevações e depressões conforme a gente passa a mão pelo objeto. Além disso, esses receptores também são responsáveis pelas sensações de vibração dos objetos, sendo o corpúsculo de Meissner responsável pela detecção das vibrações de baixa frequência, e o corpúsculo de Pacini responsável pela detecção das vibrações de alta frequência.

Já os discos de Merkel e as terminações de Ruffini não se adaptam, ou seja, param de disparar potenciais de ação diante de um estímulo contínuo e de intensidade constante sendo, portanto, classificados como receptores de adaptação lenta, os quais são responsáveis pelas sensações de pressão contínua.

Agora uma curiosidade. As terminações de Ruffini detectam o estiramento da pele. Por exemplo, quando você abre bem a sua mão, você sente que a pele está esticada não sente? Essa sensação ocorre graças a ativação das terminações de Ruffini que são pressionadas quando a gente estica a pele.

Bom, diferente dos mecanorreceptores do tato, os termorreceptores, são terminações nervosas livres sensíveis a temperatura, pois na membrana dessas terminações estão presentes canais iônicos sensíveis à temperatura, ou seja, que são ativados e abertos quando atingem determinadas temperaturas, permitindo assim a entrada de íons sódio e cálcio principalmente, o que gera um potencial receptor, que pode se propagar até a zona de gatilho. E se a despolarização for o suficiente pra alcançar o limiar, potenciais de ação poderão ser disparados.

Já foram identificados vários tipos de canais iônicos sensíveis à temperatura: dois canais que são ativados em temperaturas abaixo de vinte e cinco graus, os quais estão presente nos receptores térmicos para o frio, e mais quatro canais ativados em temperaturas acima de vinte e cinco graus, que estão presentes nos receptores térmicos para o calor.

"Sim, a gente tem receptores que detectam frio e outros que detectam calor!"

Dentre esses canais, os que apresentam maior atividade em temperaturas menores que dez e maiores que quarenta e cinco graus, já podem estar presentes em receptores pra estímulos térmicos nocivos, ou seja, nos nociceptores, pois são temperaturas que já podem causar danos as nossas células.

Uma curiosidade interessante é que além da temperatura, algumas substâncias químicas também podem ativar esses canais sensíveis à temperatura. E isso pode explicar por a menta parece refrescar e porque a pimenta parece esquentar. Mais informações sobre essa curiosidade você pode encontrar aqui no card.

Bom, então até aqui, a gente viu como os mecanorreceptores do tato e os termorreceptores fazem a transdução sensorial, isto é, como eles convertem estímulos mecânicos e térmicos em sinais elétricos, ou em potenciais receptores, no caso ondas despolarizantes que se propagam até a zona de gatilho, que podem levar o potencial de membrana ao limiar e assim disparar potenciais de ação.

Uma vez gerados, esses potenciais de ação devem se propagar pelo axônio dos neurônios sensoriais, que como são os primeiros neurônios da via de transmissão, ou seja, da via aferente, são chamados de neurônios de primeira ordem ou neurônios primários. Os axônios desses neurônios podem ser classificados de acordo com o seu diâmetro e a sua velocidade de condução do potencial de ação.

Enquanto os neurônios primários do tato têm axônio do tipo A beta, com maior diâmetro e velocidade de condução, os neurônios primários da temperatura têm axônios do tipo A delta e C, com menores diâmetros e velocidade de condução, sendo que o axônio do tipo C apresenta a menor velocidade de condução, pois são fibras desmielinizadas, não tem bainha de mielina.

Mas, independente do tipo de axônio, esses neurônios são todos pseudounipolares. Seus corpos celulares ficam localizados nos gânglios da raiz dorsal da medula espinal e os seus axônios formam a raiz dorsal que finalmente entra na medula espinal por trás, lembre-se dorsal.

Além disso, é interessante notar que cada par dos nervos espinais, inervam uma região específica da pele, que a gente chama de dermátomo.

Nessa figura (ver figura no vídeo), a gente tem a representação de cada dermátomo inervado por cada par dos nervos espinais. Na face, os dermátomos são inervados pelos ramos do quinto par de nervos cranianos, o nervo trigêmeo. Em cada dermátomo, a gente tem neurônios sensoriais primários, que seguem pelo mesmo caminho até chegar na medula espinal. Mas quando chegam na medula, eles pegam caminhos diferentes.

"Como assim?"

Os axônios dos mecanorreceptores do tato, ao entrar pela raiz dorsal, eles não fazem sinapse, e os seus axônios entram direto na região dorsal da substância branca da medula espinal, chamada de coluna dorsal. Esses axônios ascendem ou sobem em direção ao encéfalo, levando a informação sensorial do tato. E pelo fato dessa informação subir pela coluna dorsal da medula espinal, podemos chamar essa via aferente de via coluna dorsal, que além de conduzir informações do tato, também conduz informações da propriocepção.

Já os axônios dos termorreceptores, ao entrar pela raiz dorsal da medula espinal, fazem sinapse com neurônios secundários, isto é, os segundos neurônios da via, já na região dorsal da substância cinzenta da medula espinal, chamada de corno dorsal.

Os axônios desses neurônios secundários cruzam pro outro lado da medula, isto é, decussam em direção a região mais anterior e um pouco lateral da substância branca, a chamada de coluna anterolateral. Portanto, toda sensação de temperatura que ocorre em um lado do corpo vai seguir pra regiões superiores contralaterais.

Se essa via sobe pela coluna anterolateral, adivinhem o nome dessa via aferente? Via anterolateral, a qual também pode conduzir algumas informações de tato, mas um tato mais grosseiro, e de dor.

Nesse momento, podemos fazer a seguinte pergunta:

"E a via da coluna dorsal? Não manda as informações sensoriais pro lado oposto, como acontece com as informações conduzidas pela via anterolateral?"

A resposta é sim, a via coluna dorsal também manda as informações pro outro lado, mas só depois dos neurônios primários fazerem sinapse com os neurônios secundários dessa via, e isso acontece lá no bulbo, mais precisamente no núcleo da coluna dorsal. A partir desse núcleo, os axônios dos neurônios secundários decussam e sobem em direção ao tálamo por um trato, o leminisco medial, o qual faz parte da substância branca pois é formado basicamente por fibras mielinizadas.

Por isso, o nome completo dessa via aferente é via coluna dorsal-leminisco medial.

Lembre-se que em quase todas as vias de transmissão sensorial, o tálamo funciona como um centro de processamento e retransmissão das informações sensoriais. É no tálamo que acontecem as sinapses entre os neurônios secundários e neurônios terciários, que agora conduzem a informação de tato, por exemplo, pro córtex somatossensorial primário.

Diferente da via coluna dorsal-leminisco medial, a via anterolateral não faz sinapse no bulbo e pode ir direto pro tálamo. Por isso essa via também é chamada de via espinotalâmica, porque parte da medula espinal e vai direto pro tálamo. No tálamo, o neurônio secundário faz sinapse com um neurônio terciário que pode conduzir a informação de temperatura, por exemplo, pro córtex somatossensorial primário.

Pronto, chegamos finalmente no centro superior de processamentos das sensações somáticas, o córtex somatossensorial primário, que está localizado no giro pós-central, ou seja, o giro que fica atrás, ou posteriormente ao sulco central do córtex cerebral, que compreende as áreas de Brodman 1, 2, 3a e 3b.

No córtex somatossensorial primário, os neurônios se organizam formando um mapa somatotópico. Em cada área desse córtex está presente neurônios responsáveis pelas sensações somáticas de áreas específicas do corpo. Dessa forma, as sensações somáticas, como por exemplo as sensações de tato e temperatura podem ser localizadas de forma consciente.

Se você pegar um objeto com a sua mão direita, as informações sensoriais vindas dos receptores da pele da sua mão, chegarão nos neurônios do córtex somatossensorial primário localizados nessa área aqui, e você vai ter a consciência da localização precisa desse estímulo tátil, por exemplo.

Uma vez que as informações dos receptores da pele da sua mão, chegam no córtex somatossensorial, essa informação vai passando entre os neurônios das áreas de Brodman que formam o córtex somatossensorial, e a cada sinapse um processamento acontece, começando com o processamento mais simples que apenas processa o estímulo isolado vindo de cada receptor da sua pele, e então passando pra processamentos mais elaborados que juntam as informações de vários receptores sensoriais pra identificar a textura, a forma e a até temperatura do objeto, por exemplo.

Todas essas informações podem sair do córtex somatossensorial primário e seguir pra outras áreas corticais de associação, como o córtex somatossensorial secundário, onde processamentos mais complexos acontecem pra que a gente possa identificar um objeto, criar ou reforçar uma memória das sensações causadas por esse objeto, e até mesmo evocar emoções a cerca desse objeto, pois essa área pode se comunicar com áreas responsáveis pela memória e pelas emoções.

Além disso, a partir do córtex somatossensorial primário as informações podem ainda ser transmitidas pra outras áreas do córtex parietal, localizadas nas áreas de Brodman 5 e 7. Essas áreas são super importante pra identificação de um objeto e pra integração das informações somatossensoriais do tato, da propriocepção, da temperatura e da dor, as quais podem ser integradas com informações sensoriais auditivas e visuais nessas áreas 5 e 7.

Portanto, o córtex parietal é uma área cortical de associação, muito importante pra montar a cena completa do mundo exterior e nos informar como o nosso corpo interage com esse mundo exterior.

Todas essas informações podem então ser usada pelo sistema motor, que vai gerar comportamentos específicos pra interagir de forma apropriada com o ambiente ao nosso redor.

Então, resumindo tudo que a gente viu nesse vídeo, é importante lembrar que:

  • Os receptores do tato são terminações nervosas associadas a estruturas não neurais que apresentam canais mecânicos sendo, portanto, classificados como mecanorreceptores.

  • Os receptores de temperatura são terminações nervosas livres que apresentam canais sensíveis à temperatura.

  • Enquanto as sensações de tato seguem pela via coluna dorsal-leminisco medial, as sensações de temperatura seguem pela via anterolateral ou epinotalâmica.

  • Uma vez no córtex somatossensorial, as informações de tato e temperatura passam por uma série de processamentos, que nos permite: localizar a sensação; reconhecer a sua modalidade, ou seja, se é tato, se é temperatura; e perceber a sua intensidade e a sua duração. Além disso, nos permite ainda reconhecer a textura, a forma e a temperatura dos objetos, pra que a gente possa reconhecer esses objetos e assim gerar um comportamento específico pra que a gente seja capaz de interagir de forma adequada com o objeto que está, por exemplo, em nossas mãos.

E aí gostou do vídeo? Se gostou curte, comenta e compartilhar com seus colegas que isso ajuda bastante na divulgação do canal. E se você ainda não é inscrito, aproveita pra se inscrever e ativar as notificações, assim você não perde os próximos vídeos que a gente postar por aqui.

Qualquer dúvida, pode deixar aí nos comentários que a gente tenta responder, beleza? A gente se vê num próximo vídeo. Abraço!

Sobre a autora

Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. Atualmente, é professora de fisiologia humana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a mente criativa por trás do MK Fisiologia.

Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando fisiologia. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana.

Foto da autora do post Mirian Ayumi Kurauti criadora do MK Fisiologia
Foto da autora do post Mirian Ayumi Kurauti criadora do MK Fisiologia