POTENCIAL DE AÇÃO: Condução ou Propagação

Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "[#3] POTENCIAL DE AÇÃO: Condução ou Propagação".

TRANSCRIÇÕESBIOELETROGÊNESE

Mirian Kurauti

7/23/20247 min read

E aí pessoal, tudo bem com vocês?

Nesse terceiro e último vídeo sobre o potencial de ação, a gente vai explicar como o potencial de ação é conduzido ou propagado nos axônios dos neurônios.

Se você perdeu os dois primeiros vídeos sobre o potencial de ação, é só clicar aqui no card pra assistir (ou aqui). Mas se você já assistiu, bora terminar esse assunto.

Bom, como vimos nos vídeos anteriores, quando o neurônio recebe informações, principalmente na forma de neurotransmissores liberados por outros neurônios, potenciais graduados são gerados nos dendritos e soma do neurônio. Esses potenciais graduados se espalham pelo citoplasma desse neurônio até chegar na zona de gatilho.

Se esses potenciais graduados conseguirem despolarizar a membrana da zona de gatilho até o potencial limiar, os canais de sódio dependentes de voltagem podem ser abertos, dando início ao potencial de ação.

Vimos também que o potencial de ação funciona como uma forma de comunicação desse tipo de célula e, portanto, essa informação deve ser transmitida pra um outro neurônio ou pra um outro tipo celular, como por exemplo, uma célula muscular.

Essa transmissão de informação ocorre lá no final do axônio que se ramifica formando as terminações ou os terminais axonais. Portanto, o potencial de ação gerado na zona de gatilho, deve ser conduzido até esses terminais axonais.

E uma característica muito importante do potencial de ação é que, diferente dos potenciais graduados que perdem amplitude conforme se propagam pelo corpo do neurônio, o potencial de ação não perde a sua amplitude se propaga, e chega ao final do axônio com a mesma amplitude do potencial de ação que foi gerado na zona de gatilho.

Observem aqui nesse exemplo, que o potencial de ação registrado pelo eletrodo 11, apresentou a mesma amplitude de quando tinha passado pelo eletrodo 1, bem próximo da zona de gatilho, demonstrando que mesmo depois de percorrer uma certa distância a sua amplitude se mantém (ver imagem no vídeo).

E não importa o comprimento do axônio, lembrando que tem axônios que podem medir mais de 1 metro de comprimento, o potencial de ação não perde amplitude conforme é conduzido pelo axônio.

E a pergunta que fica é:

"como o potencial de ação pode ser conduzido por longas distâncias sem perder a sua forma original?"

Pra responder essa pergunta, prestem atenção aqui nesse esquema, onde eu coloquei eletrodos de voltímetros na zona de gatilho e em vários outros pontos do axônio desse neurônio pra registrar o potencial de membrana.

Durante um potencial de ação gerado na zona de gatilho, muitos canais de sódio dependentes de voltagem são abertos e o sódio entra, trazendo cargas positivas, ou seja, despolarizando a membrana. Esse excesso de cargas positivas na zona de gatilho, pode fluir pra regiões vizinhas no axônio, despolarizando a membrana dessas regiões vizinhas até o limiar, que nesse caso é de -55 mV.

Ao chegar no limiar, canais de sódio dependentes de voltagem agora se abrem nessa região da membrana, gerando um potencial de ação. Novamente, o excesso de cargas positivas causado pela entrada de sódio, pode fluir pra próxima região da membrana, despolarizando essa região até o limiar, iniciando um potencial de ação agora nessa região da membrana e assim sucessivamente.

Portanto, não é um único potencial de ação que percorre todo o axônio, na verdade o potencial de ação é regenerado a cada região subsequente da membrana, e é por isso que ele pode percorrer grandes distâncias (1 metro, 2 metros, 3 metros, quantos metros o axônio tiver), sem perder a sua forma original.

Lembre-se que como o potencial de ação funciona como uma forma de comunicação nos neurônios, ele deve se propagar sem perder sua forma, pra não perder a informação original, ou seja, pra não modificar a informação enquanto ela é conduzida pelos axônios.

Além disso, é importante ter em mente que essa informação, na forma de potenciais de ação, percorre os axônios dos neurônios em alta velocidade, permitindo respostas extremamente rápidas, como quando você encosta sem querer o dedo na panela quente, e rapidamente afasta o seu dedo da panela pra evitar uma queimadura mais grave.

Pra entender como é possível altas velocidades de propagação do potencial de ação, é preciso saber quais os fatores influenciam a velocidade de propagação do potencial de ação.

O primeiro fator, é o diâmetro do axônio. Quanto maior o diâmetro, maior a velocidade de propagação do potencial de ação.

Em alguns organismos como a lula gigante, existem axônios gigantes, os quais podem ter um diâmetro de 0,5 milímetro até 1 milímetro!

A velocidade de propagação do potencial de ação em axônios com 0,5 milímetro, chega a 25 metros por segundo, o que equivale a 90 quilômetros por hora!

Esses axônios gigantes estão envolvidos com respostas de fuga nesse animal. Portanto, diante de qualquer ameaça, a lula consegue ter uma resposta de fuga bastante rápida.

Porém, nos mamíferos, como é o nosso caso, não existem axônios gigantes, mas mesmo assim a velocidade de propagação pode chegar a mais de 120 metros por segundo!

Mas, como faz para ter uma velocidade tão alta sem ter um diâmetro axonal tão grande?

A resposta está no segundo fator que determina a velocidade de propagação do potencial de ação, ou seja, a resistência da membrana ao vazamento de íons.

Como sabemos, na membrana existem canais de vazamento. Portanto, enquanto o sódio entra durante o potencial de ação pelos seus canais dependentes de voltagem, cargas positivas na forma de potássio podem escapar através de seus canais de vazamento. Esse vazamento de cargas positivas, atrasa a despolarização da região subsequente, e reduz a velocidade de propagação do potencial de ação.

Desta forma pra aumentar a velocidade de propagação do potencial de ação, é preciso aumentar a resistência da membrana, pra diminuir o vazamento de íons.

Mas, como faz para aumentar a resistência da membrana?

Basta encapar o axônio com um material isolante, pras cargas elétricas não escaparem.

E qual o melhor material isolante que existe em um organismo vivo?

A bicamada lipídica que compões as membranas.

Assim, tanto no sistema nervoso periférico, como no central, existem células da glia como as células de Schwann e os oligodedrócitos que enrolam as projeções da sua membrana, nos axônios dos neurônios, formando assim uma capa isolante, aumentando a resistência do axônio, evitando o vazamento de íons. E essa capa isolante é conhecida como Bainha de Mielina.

Um detalhe importante, é que a bainha de mielina não cobre o axônio por completo, na verdade, existe um espaço a cada célula de Schwann ou a cada segmento do oligodendrócito. Um espaço bem pequeno chamado de nodo ou nó de Ranvier, uma região onde há muitos canais dependentes de voltagem. Portanto, são nesses nodos que o potencial de ação é regenerado.

Por exemplo, imaginem que um potencial de ação foi gerado na zona de gatilho desse neurônio. Se eu não tiver a bainha de mielina, as cargas positivas vazariam pelos canais de vazamento, certo?

Porém, se o axônio tem bainha de mielina o vazamento de íons não ocorre, e as cargas positivas chegam no próximo nodo rapidamente, quase que instantaneamente, despolarizando a membrana e regenerando o potencial de ação. Isso acontece sucessivamente até o final do axônio.

De tão rápido que acontece a despolarização, o início do potencial de ação no próximo nodo é extremamente rápido e parece que o potencial se propaga saltando de nodo em nodo, por isso esse tipo de condução em axônios mielinizados é chamado de Condução Saltatória.

Mas lembre-se, não é que o potencial de ação está pulando de nodo em nodo, na verdade, ele está sendo regenerado em cada nodo de Ranvier.

Pra você ter uma noção do quanto a condução saltatória que acontece em axônios mielinizados, é bem mais veloz do que a condução que acontece em neurônios não mielinizados (sem bainha de mielina), pegamos como exemplo o axônio mais fino e sem mielina do organismo humano. Esse axônio conduz o potencial de ação numa velocidade de 0,5 a 2 metro por segundo, o que já é bem rápido.

Mas agora olhe esse axônio, que já tem um diâmetro um pouco maior e tem bainha de mielina, a velocidade de condução chega a 5 metros por segundo. E vejam que, conforme o diâmetro aumenta, a velocidade vai aumentando.

O axônio com maior diâmetro, e com bainha de mielina mais espessa, consegue conduzir o potencial de ação numa velocidade máxima de 120 metros por segundo, que equivale a 400 km/h! É mais rápido que um carro de fórmula 1!

Finalizando, lembrem-se que:
  • Os potenciais de ação podem se propagar por toda a extensão dos axônios sem perder sua forma original, pois são regenerados a cada segmento da membrana;

  • A velocidade de propagação do potencial de ação depende do diâmetro do axônio e da resistência da membrana ao vazamento de íons, sendo está última determinada pela ausência ou presença da bainha de mielina;

  • Na presença da bainha de mielina, ocorre o que chamamos de condução saltatória, pois a regeneração dos potenciais de ação ocorre nos nodos de Ranvier.

Bom, se você ficou com alguma dúvida pode deixar aí nos comentários que a gente tenta responder, beleza? A gente se vê num próximo vídeo, abraço!

Sobre a autora

Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. Atualmente, é professora de fisiologia humana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a mente criativa por trás do MK Fisiologia.

Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando fisiologia. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana.

Foto da autora do post Mirian Ayumi Kurauti criadora do MK Fisiologia
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