
NEUROFISIOLOGIA DA DOR | FISIOLOGIA DA DOR
Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "NEUROFISIOLOGIA DA DOR | FISIOLOGIA DA DOR".
TRANSCRIÇÕESSISTEMA NERVOSO
Mirian Kurauti
8/27/202410 min read
E aí pessoal, tudo bem com vocês?
Eu sou Mirian Kurauti aqui do canal MK Fisiologia e neste vídeo a gente vai falar sobre uma sensação nada agradável, mas que é extremamente importante no nosso dia a dia, a dor.
Então, pra começar a falar sobre a dor, nada melhor do que definir o que é dor.
Segunda a associação internacional para o estudo da dor, a dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a, ou semelhante àquela associada a, um dano tecidual real ou potencial. Ou seja, você pode sentir dor mesmo que um estímulo sensorial não cause lesão no seu organismo.
Por exemplo, se você apertar a sua mão com uma certa força, você vai começar a sentir dor, pois mesmo que essa pressão não esteja machucando a sua mão, se você continuar ela pode machucar. Portanto, embora a dor seja uma sensação extremamente desagradável, ela é necessária pra proteger o seu organismo.
Sabendo da importância da dor, bora falar sobre a nocicepção.
E aqui vai uma observação importante. Dor e nocicepção não são a mesma coisa.
Nocicepção é um termo que se refere a detecção e codificação dos estímulos nocivos. Ou seja, é algo que acontece nos receptores sensoriais.
Portanto, a nocicepção envolve o processo de transdução sensorial, isto é, a conversão de estímulos físicos ou químicos nocivos, em estímulos elétricos, ou melhor, em alteração do potencial de membrana, algo que chamamos de potencial receptor, que como vimos em vídeos anteriores, pode disparar potenciais de ação na zona de gatilho do neurônio sensorial primário.
Uma vez disparados, esses potenciais de ação podem seguir pros centros de processamento no sistema nervoso central, e aí sim, gerar uma experiencia sensorial e emocional desagradável, ou seja, a dor.
Portanto, podemos dizer que a nocicepção é o processo de transdução sensorial que acontece nos receptores sensoriais, enquanto a dor é a percepção da sensação desagradável causada pelo estímulo nocivo. Por isso, pra entender a dor, primeiro você precisa entender a nocicepção.
E já que a nocicepção acontece nos receptores sensoriais, quem são esses receptores sensoriais que detectam os estímulos nocivos?
Se pegarmos um pedaço da nossa pele e olharmos mais de perto, veremos várias terminações nervosas associadas a estruturas não neurais, os quais constituem os mecanorreceptores do tato. Além disso, podemos observar terminações nervosas livres. Algumas dessas terminações são sensíveis a temperaturas não-nocivas e são chamadas de termorreceptores, enquanto outras são sensíveis à estímulos nocivos e são, portanto, chamados de nociceptores.
Os nociceptores podem ser:
Mecânicos, os quais são sensíveis a estímulos mecânicos nocivos, como levar um soco na cara;
Térmicos, os quais são sensíveis à estímulos térmicos nocivos, como colocar a mão dentro de um balde com gelo, ou dentro de uma panela com água fervendo;
Polimodais, os quais são sensíveis tanto à estímulos mecânicos como térmicos, e podem ainda ser sensíveis à estímulos químicos, como algumas substâncias encontradas no veneno de cobras, aranhas e escorpiões;
E por fim, os nociceptores também podem ser silenciosos ou dormentes, os quais são insensíveis aos estímulos mecânicos e térmicos até que sejam sensibilizados por substâncias químicas como alguns mediadores da inflamação, como veremos adiante.
O que determina a sensibilidade dos nociceptores aos diferentes tipos de estímulos nocivos são as proteínas presentes nas terminações nervosas livres. Por exemplo, se a terminação nervosa apresentar canais mecânicos, aqueles que se abrem quando eu aplico uma pressão sobre eles, o nociceptor será sensível a estímulos mecânicos intensos. Mas, se ele tiver canais térmicos, isto é, canais que se abrem quando a temperatura diminui ou aumenta, o nociceptor será sensível à estímulos térmicos intensos.
Dito isso, agora eu quero que você reflita. Uma leve pressão sobre a sua pele, não causa dor, pois não ativa dos nociceptores mecânicos, assim como temperaturas levemente frias ou quentes também não ativam nociceptores térmicos. Pergunta: por que só estímulos mecânicos e térmicos intensos podem ativar os nociceptores?
Bom, o que acontece é que os nociceptores são receptores de alto limiar.
-Mas o que isso significa?
Significa que eles precisam de estímulos mais intensos, mais fortes, pra disparar potenciais de ação.
Por exemplo, se eu pressionar suavemente a minha pele, eu vou provocar a abertura de alguns canais mecânicos tanto nos mecanorreceptores do tato, como nos nociceptores mecânicos. Isso causa uma entrada discreta de cátions, como por exemplo íons sódio, causando um potencial receptor de baixa amplitude.
Como os mecanorreceptores do tato são receptores de baixo limiar, esse pequeno potencial receptor pode ser o suficiente pra levar o potencial de membrana ao limiar na zona de gatilho, e alguns potenciais de ação podem ser gerados e conduzidos até o córtex somatossensorial, e eu posso sentir um toque suave na minha pele, mas não posso sentir dor, pois nos nociceptores esse pequeno potencial receptor não foi suficiente pra disparar potenciais de ação já que o limiar é mais alto, isto é, tem valores mais positivos.
Mas, se eu aumentar a pressão, mais canais mecânicos poderão se abrir, e o potencial receptor gerado pelo estímulo mais intenso será maior, e aí sim, potenciais de ação poderão ser disparados nos nociceptores e conduzidos até o córtex somatossensorial e então eu posso sentir uma sensação desagradável, ou seja, eu posso sentir dor.
Portanto, pra que haja dor, primeiro é preciso que ocorra a nocicepção. Ou seja, é preciso que o estímulo seja capaz de disparar potenciais de ação nos nociceptores. Porém, apenas gerar os potenciais de ação não significa que a dor vai ser percebida, pois esses potenciais de ação devem ser conduzidos até o córtex somatossensorial.
Então, bora ver como a informação nociva é conduzida até o córtex somatossensorial.
Pra isso, é importante lembrar que essa condução começa logo aqui na zona de gatilho do neurônio sensorial primário, pois uma vez que os potenciais de ação são disparados, eles serão conduzidos pelo axônio desse neurônio até estruturas do sistema nervoso central, como medula espinal e tronco encefálico.
Os axônios ou as fibras, desses neurônios sensoriais primários que conduzem informações nocivas, podem ser de dois tipos:
Fibras A delta, isto é, fibras mielinizadas de pequeno diâmetro, cuja velocidade de condução de potenciais de ação pode chegar à 30 metros por segundo;
E fibras C, isto é, fibras desmielinizada de menor diâmetro, cuja velocidade de condução de potenciais de ação é menor, podendo chegar à no máximo 2 metros por segundo.
As fibras A delta geralmente são fibras de nociceptores mecânicos, e transmitem a dor primária, mais conhecida como dor rápida, pois a velocidade de condução dessas fibras é maior que a das fibras tipo C.
Sabe aquela dor de quando você bate o dedinho do pé em algum lugar? É uma dor em picada e altamente localizada, isso porque as fibras A delta fazem sinapse com apenas um neurônio secundário, que conduz essa informação pro outro lado da medula, e seguindo pela via espinotalâmica chega direto no tálamo, onde o neurônio secundário, faz sinapse com um neurônio terciário, o qual finalmente conduz a informação a neurônios específicos do córtex somatossensorial, neurônios que representam um campo receptivo específico, e por isso você tem a sensação de uma dor bem localizada, uma dor em picada.
Já as fibras C geralmente são fibras de nociceptores térmicos, polimodais ou silenciosos, e transmitem a dor secundária, mais conhecida como dor lenta, pois a velocidade de condução dessas fibras é menor do que a das fibras A delta.
Sabe aquele dor em queimação que fica depois de um tempo que você bateu o dedinho do pé, é uma dor mais difusa, isso porque as fibras C fazem sinapses com mais de um neurônio secundário, ou seja, ocorre uma divergência da informação, o que acaba ativando mais campos receptivos e a localização do estímulo nocivo não é tão precisa assim e você tem a sensação de que a dor se espalha, irradia ao redor do local que sofreu o estímulo. Essa é a dor lenta.
Outra característica desse tipo de dor, é que a informação nociva pode não seguir direto pro tálamo através da via espinotalâmica, como geralmente acontece com a informação nociva da dor rápida. Na verdade, a informação nociva da dor lenta segue por uma via espinotalâmica alternativa que em alguns livros você pode encontrar com o nome de via paleoespinotalâmica.
Essa via conduz informação da medula pro tálamo e também pra várias áreas do tronco encefálico de onde podem seguir pra outras áreas encefálicas, como hipotálamo e amígdala, estruturas importantes na geração das respostas viscerais, isto é, alterações no funcionamento de algumas vísceras, e das respostas emocionais, respectivamente.
Além disso, as informações nocivas da dor lenta podem seguir pra outras regiões também relacionadas com a geração de respostas emocionais, como o córtex cingulado anterior, e respostas viscerais, como a ínsula. Essa última estrutura parece tá relacionada com a hipotensão que algumas pessoas podem apresentar diante de dores muito intensas, e assim elas acabam desmaiando de dor.
Bom, agora que você conheceu a dor rápida e a dor lenta, é importante saber que a dor rápida geralmente está envolvida com a dor aguda, aquela dor que tem duração limitada.
Por exemplo, se eu apertar forte a minha mão, eu vou começar a sentir dor. Mas na hora que eu solto, a dor já começa diminuir imediatamente e daqui a pouco eu não vou tá sentindo mais nada. Isso porque não houve lesão.
Mas se eu tivesse feito um corte na minha pele, a dor da faca rasgando a minha pele é uma dor aguda, mas depois disso uma dor menos intensa e mais duradoura permanece, ou seja, uma dor crônica acontece.
Se você parar pra pensar, a dor crônica é mais difusa, mais difícil de localizar com precisão, isso porque esse tipo de dor é transmitido principalmente pelas fibras C, responsáveis pela dor lenta.
Outra coisa que a gente pode perceber nesse tipo de dor é que a área danificada fica mais sensível a dor, isto é, estímulos nocivos se tornam mais intensos na pele cortada do que na pele saudável, ou seja, você tem hiperalgesia, um aumento da dor causada por estímulos nocivos.
Além disso, estímulos que não causam dor na pele saudável, passam a causar dor na área lesada, ou seja, você tem alodinia, isto é, a dor pode ser provocada mesmo por estímulos que não são nocivos. Por exemplo, mesmo um toque bem suave sobre a pele machucada, pode doer bastante.
Mas, o que poderia explicar a hiperalgesia e a alodinia quando você tem uma lesão?
O que acontece em uma lesão é o rompimento de várias células, isso causa o extravasamento de vários componentes intracelulares como os íons potássio, que somados a outros mediadores químicos produzidos localmente, como a bradicinina e as prostaglandinas, mais histamina, produzida por células do sistema imune os mastócitos, podem atuar sobre as terminações nervosas livres das fibras C, deixando o potencial de membrana desses nociceptores mais positivo, ou seja, a membrana fica despolarizada enquanto esses mediadores estiverem presentes no local.
Dessa forma, qualquer estimulo, mesmo que não seja nocivo, pode facilmente despolarizar a membrana até o potencial limiar e disparar potenciais de ação nesses nociceptores. Ou seja, esses receptores ficam mais sensíveis causando hiperalgesia e alodinia.
Só lembrando que esses mesmos mediadores que causam hiperalgesia e alodinia no tecido lesado, causam o que chamamos de inflamação. Por isso esse tipo de dor pode ser chamada de dor inflamatória.
Outros tipos de dor serão abordados num próximo vídeo. Não percam!
Então finalizando, lembre-se que:
Existem basicamente 4 tipos de nociceptores: mecânicos, térmicos, polimodais e silenciosos.
Enquanto os nociceptores mecânicos geralmente apresentam fibras do tipo A delta, causando a dor rápida, os nociceptore térmicos, polimodais e silenciosos apresentam fibras do tipo C, causando a dor lenta.
A dor rápida é altamente localizada pois a informação nociva não diverge e segue pela via espinotalâmica que conduz a informação da medula direto pro tálamo e do tálamo direto pro córtex somatossensorial.
A dor lenta é mais difusa pois a informação nociva diverge e segue pela via paleoespinotalâmica que pode conduzir a informação pra várias estruturas encefálicas responsáveis pelas respostas sensoriais, emocionais e até mesmo viscerais.
A hiperalgesia e a alodinia que acontecem em uma lesão, ocorrem devido a diversos mediadores químicos liberados e produzidos no local da lesão, causando a dor inflamatória.
Bom, você ficou com alguma dúvida pode deixar aí nos comentários que a gente tenta responder, beleza? A gente se vê num próximo vídeo, abraço!


Sobre a autora
Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. Atualmente, é professora de fisiologia humana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a mente criativa por trás do MK Fisiologia.
Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando fisiologia. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana.



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