Fisiologia do músculo liso: TIPOS DE MÚSCULO LISO E REGULAÇÃO DA CONTRAÇÃO
Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "[#2] Fisiologia do músculo liso: TIPOS DE MÚSCULO LISO E REGULAÇÃO DA CONTRAÇÃO".
TRANSCRIÇÕESSISTEMA MUSCULAR
Mirian Kurauti
8/9/202412 min read
E aí pessoal, tudo bem com vocês?
Eu sou Mirian Kurauti aqui do canal MK Fisiologia e nesse vídeo a gente vai continuar falando sobre a fisiologia do músculo liso.
No vídeo anterior, a gente explicou todo o mecanismo de contração do músculo liso e concluímos que pra contrair, a concentração de cálcio no citoplasma precisa aumentar, e pra relaxar a concentração desse íon precisa diminuir. Mas como as concentrações de cálcio aumenta, quando o músculo precisa se contrair, e como as concentrações de cálcio diminui, quando o músculo precisa relaxar?
Pra responder essa pergunta, a gente precisa lembrar como a concentração de cálcio no citoplasma aumentava e diminuía lá no músculo esquelético.
Então, lembre-se que lá na fibra muscular esquelética, quando a membrana despolarizava até o limiar de excitabilidade, disparavam-se potenciais de ação que se propagavam até os túbulos T, onde eram ativados canais de cálcio dependentes de voltagem ou DHP, cuja principal função não era permitir a entrada de cálcio na fibra muscular, mas sim ativar e abrir um canal de cálcio do retículo sarcoplasmático, conhecido como receptor de rianodina.
Ao abrir esse canal, o cálcio armazenado em altas concentrações dentro do retículo, era transportado pra fora do retículo, elevando a concentração desse íon no citoplasma da fibra muscula esquelética.
Na célula muscular lisa, quando a membrana despolariza até o limiar, canais de cálcio dependentes de voltagem também podem ser ativados.
E esses canais parecem estar concentrados em estruturas que formam tipo um túbulo T bem menos desenvolvido, chamadas de cavéolas, isto é, pequenas depressões na membrana que se associam com o retículo sarcoplasmático desse tipo de célula.
Essa associação é parecida com a que a gente viu no músculo esquelético, e a ativação dos canais de cálcio dependentes de voltagem pode ativar e abrir os canais de cálcio do retículo sarcoplasmático. Porém, lembre-se que esse não é o principal mecanismo de liberação de cálcio no músculo liso.
Na verdade, nesse tipo de músculo, quando o canal de cálcio dependente de voltagem é ativado, o cálcio que tá super concentrado fora da célula entra rapidamente na célula muscular lisa, ativando o canal de cálcio do retículo sarcoplasmático, ou seja, ocorre uma liberação de cálcio induzida pelo cálcio, aumentando a concentração desse íon no citoplasma dessa célula, o qual pode se ligar a calmodulina, dando início a contração muscular, como vimos no vídeo anterior.
Mas, além desse mecanismo que depende da despolarização da membrana, no músculo liso existe um outro mecanismo de liberação de cálcio que não depende dessa despolarização.
Na maioria das células musculares lisas, a gente encontra vários receptores de membrana acoplados à proteína G. E quando uma molécula sinalizadora ativa esse receptor, a proteína G é ativada, iniciando uma via de sinalização específica que induz a produção de um segundo mensageiro, o inositol trifosfato ou IP3.
Esse segundo mensageiro consegue abrir um canal de cálcio específico presente no retículo sarcoplasmático, o canal de cálcio dependente de IP3.
O cálcio então é transportado pra fora do retículo, elevando a sua concentração no citoplasma da célula muscular lisa, dando início a contração muscular.
Pra relaxar o músculo, a concentração de cálcio deve diminuir e pra isso o cálcio pode ser bombeado de volta pro retículo sarcoplasmático, por um mecanismo semelhante ao do músculo esquelético, ou seja, através de um tipo específico de bomba de cálcio, conhecida como SERCA.
Além disso, aqui o cálcio também pode ser bombeado pra fora da célula muscular lisa através de uma bomba de cálcio e também de um trocador sódio-cálcio localizados na membrana celular.
Pronto, agora que a gente já sabe como a concentração de cálcio aumenta e diminui no citoplasma das células musculares lisas, a gente pode fazer mais uma pergunta.
Pra concentração de cálcio aumentar é preciso despolarizar a membrana, ou ativar receptores acoplados à proteína G.
Então, como a membrana é depolarizada e o que exatamente vai ativar os receptores acoplados à proteína G nas células musculares lisas?
Pra responder essas perguntas, vale a pena apresentar os dois tipos de músculo liso: o músculo liso unitário ou fásico, e o músculo liso multiunitário ou tônico.
O músculo liso unitário ou fásico é um tipo de músculo onde as células musculares se associam umas com as outras através de junções comunicantes, sim aquelas mesmas junções que a gente viu nas sinapses elétricas.
Se você não lembra mais das sinapses elétricas, aproveita pra fazer uma revisão clicando aqui no card.
Além disso, nesse tipo de músculo, existem células autoexcitáveis capazes de gerar mudanças espontâneas no seu potencial de membrana. Isso porque na membrana dessas células tem canais iônicos que se abrem e fecham de maneira espontânea, ou seja, não precisa por exemplo de um neurotransmissor pra abrir um canal iônico e despolarizar a célula.
Em algumas dessas células, a abertura de canais iônicos específicos causa despolarização gradual até atingir o limiar de excitabilidade. Quando isso acontece, um potencial de ação pode ser disparado.
Como as células desse tipo de músculo liso se comunicam através de junções comunicantes, o potencial de ação pode se propagar através dessas junções e despolarizar as células vizinhas até o limiar, as quais disparam potenciais de ação que continua se propagando através das junções comunicantes.
Portanto, se uma célula dispara um potencial de ação, todas as outras que se associam por junções comunicantes também disparam, por isso esse tipo de músculo é chamado de músculo liso unitário.
Durante um potencial de ação, lembre-se, a membrana despolariza e repolariza. Ao repolarizar, a despolarização gradual vai de novo despolarizar lentamente a membrana até o limiar, e mais um potencial de ação é disparado, ou seja, os potenciais de ação podem ser gerados espontaneamente de forma rítmica.
Por isso esse tipo de potencial de membrana instável é chamado de potencial marca-passo, porque dita um ritmo de disparos de potenciais de ação.
Esse tipo de potencial pode ser observado em algumas células no músculo liso do trato gastrointestinal, sendo responsável pelas contrações rítmicas que misturam o alimento dentro do tubo digestório.
Por isso, esse tipo de músculo liso, além de ser unitário é fásico, porque a sua contração é fásica e o músculo fica oscilando entre um estado relaxado e contraído.
Em outras células autoexcitáveis do músculo liso unitário ou fásico, o potencial de membrana também pode despolarizar e repolarizar espontaneamente em um determinado ritmo. Mas aqui, a despolarização pode ou não chegar ao limiar e disparar potenciais de ação.
Essa despolarização e repolarização espontânea geram “ondas lentas”, por isso esse tipo de potencial de membrana instável é chamado de potencial de ondas lentas.
Embora o potencial de ondas lentas e o potencial marca-passo sejam espontâneos, não se esqueça que ambos podem sofrer influências externas, como por exemplo neurotransmissores liberados por neurônios do sistema nervoso autônomo.
E aqui, a gente pode destacar uma diferença entre o músculo esquelético e o músculo liso.
Enquanto o músculo esquelético é inervado por neurônios motores do sistema motor somático, o músculo liso é inervado por neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso autônomo parassimpático e simpático.
Além disso, as terminações dos neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso autônomo são diferentes das terminações dos neurônios motores do sistema motor somático.
Aqui as terminações nervosas apresentam varicosidades, regiões onde ficam várias vesículas sinápticas que podem liberar seus neurotransmissores, quando o neurônio dispara potenciais de ação.
Como no músculo liso unitário o potencial de ação se propaga de célula pra célula através das junções comunicantes, essas varicosidades não precisam jogar neurotransmissores em cada célula muscular, na verdade, nesse tipo de músculo, as varicosidades costumam se concentrar em algumas células, principalmente nas células autoexcitávies que disparam potenciais de ação espontaneamente.
Por exemplo, no músculo liso do trato gastrointestinal, a gente encontra algumas células de Cajal, células autoexcitáveis, que geram espontaneamente ondas lentas com amplitude suficiente pra atingir o limiar e disparar um ou dois potenciais de ação por onda, gerando contração, gerando tensão muscular.
Mas quando essas células são estimuladas por neurônios parassimpáticos que liberam principalmente acetilcolina, a amplitude dessas ondas aumenta, ou seja, a membrana é mais despolarizada, e mais potenciais de ação são disparados por onda, o que pode provocar um maior aumento da concentração de cálcio no citoplasma das células de Cajal, e mais tensão muscular pode ser gerada pelo músculo liso.
Ao contrário, quando essas células são estimuladas por neurônios simpáticos que liberam principalmente noradrenalina, a amplitude das ondas lentas diminui abaixo do limiar de excitabilidade, e nenhum potencial de ação pode ser gerado, inibindo a contração muscular, e o músculo liso pode relaxar.
Além do músculo liso unitário ou fásico, nós temos o músculo liso multiunitário ou tônico.
Nesse tipo de músculo as células praticamente não se associam através de junções comunicantes, e quando uma célula dispara um potencial de ação, esse potencial não consegue se propagar pras demais células musculares. Assim, cada célula funciona individualmente como uma unidade, por isso músculo liso multiunitário.
Por causa dessa diferença entre os músculos lisos unitário e multiunitário, nesse segundo tipo de músculo liso a inervação é mais restrita, ou seja, as varicosidades das terminações nervosa de um neurônio pós-ganglionar, do sistema nervoso autônomo, inervam algumas células musculares de forma mais individual, parecido com a inervação do músculo esquelético pelo sistema motor somático, formando unidades motoras.
Isso favorece um controle mais preciso da contração do músculo liso, e por isso esse tipo de músculo liso mutiunitário é encontrado, por exemplo, na íris do seu olho pra regular precisamente o diâmetro da sua pupila, e ao redor do seu cristalino, como mostra esse exemplo, pra regular precisamente a curvatura dessa lente, regulando com precisão o foco da sua visão.
Além disso, esse tipo de músculo liso também pode ser classificado como músculo liso tônico, já que a contração desse músculo geralmente é mantida por longos períodos, como é o caso dos músculos lisos dos esfíncteres.
Outra diferença importante entre o músculo liso unitário/fásico e o multiunitário/tônico, é que o segundo geralmente não dispara potenciais de ação.
E aí fica a pergunta: se o músculo liso multiunitário/tônico não dispara potenciais de ação, como é que o músculo vai contrair?
Ele vai contrair quando chegar uma molécula sinalizadora capaz de ativar um receptor acoplado à proteína G.
Por exemplo, quando um neurotransmissor é liberado ele pode ativar um receptor acoplado à proteína G específico, que como explicado anteriormente pode ativar uma via de sinalização que induz a produção do IP3, um segundo mensageiro que ativa o canal de cálcio dependente de IP3 lá no retículo sarcoplasmático, provocando a liberação de cálcio e a contração muscular.
E lembre-se, como aqui a contração acontece sem alteração no potencial de membrana, esse tipo de ativação muscular é conhecido como “acoplamento farmacomecânico”, pra diferenciar do “acoplamento excitação-concentração” em que a contração só acontece após a despolarização da membrana.
Ao mesmo tempo que um neurotransmissor pode estimular a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático, ele pode, através da ativação de outras vias de sinalização específicas, induzir a inativação da fosfatase da miosina, que como vimos no vídeo anterior é responsável pela desfosforilação da miosina, e o término do ciclo das pontes cruzadas.
Então , com a inativação dessa fosfatase, a miosina pode permanecer fosforilada e o ciclo das pontes cruzadas pode continuar acontecendo.
Além de estimular a contração muscular, um neurotransmissor também pode inibir, quando ele ativa receptores acoplados a outros tipos de proteína G, ativando outras vias de sinalização específica que induz a inativação da quinase da cadeia leve da miosina ou MLCK, inibindo a fosforilação da miosina, inibindo assim o ciclo das pontes cruzadas.
Mas professora, qual neurotransmissor estimula e qual inibe a contração do músculo liso?
A resposta é: depende do tipo de receptores que tem na membrana da célula muscular lisa.
Tem células musculares que contraem quando a noradrenalina se liga nos seus receptores, mas tem células musculares que relaxam quando a noradrenalina se liga nos seus receptores, isso porque o tipo de receptor adrenérgico presente nessas células pode ser diferente. E o mesmo vale pra acetilcolina que tem diferentes tipos de receptores que ativam diferentes tipos de proteína G.
Por fim, além de neurotransmissores, hormônios e fatores locais também podem regular a contração dos músculos lisos.
Alguns hormônios, como por exemplo a vasopressina, ativam receptores acoplados a proteína G que induz a produção do segundo mensageiro IP3, estimulando o aumento da concentração de cálcio no citoplasma. Além disso, a ativação de outras proteínas pode inativar a fosfatase da miosina, contribuindo pra contração muscular.
Outros fatores como o óxido nítrico, pode ativar outras vias de sinalização que induz a ativação da fosfatase da miosina, estimulando o relaxamento muscular.
Por fim, mas não menos importante, alguns músculos lisos podem se contrair após estiramento das suas células musculares, como por exemplo o músculo liso dos vasos sanguíneos.
Quando as células desse músculo são estiradas devido ao aumento do fluxo sanguíneo, o estiramento da sua membrana ativa um tipo de canal de cálcio específico que abre diante de um estiramento da membrana celular. Isso aumenta a concentração de cálcio no citoplasma, estimulando a contração muscular.
Portanto, deve ficar claro que diferente do músculo esquelético, o controle da contração do músculo liso é muito mais complexo.
As células musculares lisas recebem numerosos sinais ao mesmo tempo, e o que vai determinar o seu estado contrátil é a soma da magnitude desses sinais que promovem a contração ou o relaxamento muscular.
Bom, resumindo tudo que a gente viu nesse vídeo lembre-se que:
Quando a membrana é depolarizada, canais de cálcio dependentes de voltagem são ativados, o cálcio extracelular entra na célula muscular e promove a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático, iniciando a contração muscular.
Muitas células musculares lisas, podem iniciar a contração mesmo sem alterações no potencial de membrana, e isso acontece quando moléculas sinalizadoras ativam receptores acoplados a proteína G que induz o aumento do segundo mensageiro IP3.
O músculo liso unitário ou fásico, apresenta células autoexcitáveis, isto é, células que podem gerar potenciais de ação espontaneamente e de maneira rítmica. Nesse tipo de músculo as células se associam através de junções comunicantes.
Já o músculo liso multiunitário ou tônico, geralmente não dispara potenciais de ação, e pras suas células iniciarem a contração muscular, é preciso que uma molécula sinalizadora, como por exemplo um neurotransmissor, ative um receptor acoplado a proteína G.
Além disso, vale destacar que nem sempre o neurotransmissor vai estimular a contração muscular, às vezes o neurotransmissor pode inibir a contrção.
Por fim, não se esqueça que além de neurotransmissores liberados pelos neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso autônomo, outras moléculas sinalizadoras, como hormônio e fatores locais, e até mesmo o estiramento das células musculares lisas podem inibir ou ativar a contração muscular.
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Sobre a autora
Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. Atualmente, é professora de fisiologia humana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a mente criativa por trás do MK Fisiologia.
Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando fisiologia. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana.
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