
CODIFICAÇÃO SENSORIAL: MODALIDADE, LOCALIZAÇÃO, INTENSIDADE E DURAÇÃO DOS ESTÍMULOS
Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "CODIFICAÇÃO SENSORIAL: MODALIDADE, LOCALIZAÇÃO, INTENSIDADE E DURAÇÃO DOS ESTÍMULOS".
TRANSCRIÇÕESSISTEMA NERVOSO
Mirian Kurauti
8/2/20249 min read
E aí pessoal, tudo bem com vocês?
Como vimos no vídeo anterior, todos os estímulos sensoriais, sofrem o processo de transdução sensorial, ou seja, qualquer estímulo, independentemente da sua natureza, vai ser convertido em sinais elétricos, ou melhor, em potenciais receptores.
Se esses potenciais receptores despolarizar a membrana da zona de gatilho do neurônio sensorial até o potencial limiar, potenciais de ação são disparados vão embora pela via aferente até chegar no córtex cerebral, onde as informações são processadas, e você se torna consciente de todas as propriedades do estímulo sensorial, ou seja, você se torna consciente da modalidade do estímulo, isto é, a que sentido o estímulo pertence, se é um estímulo de tato, de visão, ou de audição, por exemplo.
Você também se torna consciente da localização do estímulo (onde o estímulo aconteceu), da intensidade do estímulo (se o estímulo foi fraco ou se foi forte), e da duração do estímulo (quanto tempo durou o estímulo).
Todos os estímulos sensoriais apresentam essas propriedades que devem ser distinguidas de alguma forma pelo sistema sensorial.
Mas aí, eu quero que vocês parem e pensem um pouco. Se todos os estímulos sensoriais são convertidos em potenciais de ação, como o sistema nervoso consegue diferenciar essas propriedades dos estímulos sensoriais? Ou, como o sistema nervoso consegue codificar a modalidade, a localização, a intensidade e a duração de cada estímulo sensorial?
Neste vídeo, a gente vai entender como todas essas propriedades dos estímulos são codificadas pelo sistema sensorial.
Então pra começar, como é codificada a modalidade dos estímulos sensoriais?
Pra responder essa pergunta, lembre-se que existem diversos tipos de receptores e cada tipo de receptor é especialmente sensível a uma modalidade de estímulo. Por exemplo, alguns receptores, como os mecanorreceptores da pele, são sensíveis a pressão, enquanto outros, como os fotorreceptores da retina, são muito mais sensíveis à luz.
Os potenciais de ação gerados pelos mecanorreceptores da pele, seguem por uma via aferente específica que conduz esses potenciais de ação até o córtex somatossensorial primário, e você percebe um estímulo de tato. Já os potenciais de ação gerados pelos fotorreceptores da retina, seguem por outra via aferente específica que conduz esses potenciais de ação até o córtex visual, e você percebe um estímulo visual.
Dessa forma, deve ficar claro que pra cada modalidade, existe um grupo específico de receptores sensoriais, e pra cada grupo de receptor sensorial existe uma via aferente específica que conduz a informação pra um centro de processamento específico no córtex cerebral.
Podemos dizer que existe uma alta especificidade das vias que conduzem as informações de determinados grupos de receptores sensoriais. Por exemplo, as informações geradas nos fotorreceptores seguem por uma via específica cujo destino final é o córtex visual. Por isso, qualquer estímulo que ativar os fotorreceptores levará a percepção de um estímulo da modalidade visual e não de outra modalidade.
Outra propriedade dos estímulos sensoriais que também geralmente apresenta uma alta especificidade das vias é a localização. Então bora entender como é codificada a localização de um estímulo sensorial.
Pra isso, primeiro precisamos entender um conceito muito importante dentro da fisiologia sensorial: campos receptivos; e a melhor maneira de entender o que são campos receptivos é usando os mecanorreceptores da pele como exemplo. Mas primeiro, vamos definir o que é campo receptivo.
Campo receptivo é a região que quando estimulada ativa um determinado neurônio sensorial primário. Em outras palavras, podemos dizer que campo receptivo é a região inervada por um neurônio sensorial primário.
Porém, é preciso deixar claro que alguns neurônios sensoriais primários convergem as informações sensoriais pra um único neurônio sensorial secundário. Assim, embora exista um campo receptivo pra cada neurônio sensorial primário, o campo receptivo do neurônio sensorial secundário será a soma de todos os campos receptivos dos neurônios primários que convergem as informações pro neurônio secundário.
Mas, independente se ocorre convergência ou não, as informações sensoriais dos mecanorreceptores da pele, como vimos, seguem por uma via aferente específica pra chegar no córtex somatossensorial primário, responsável pelo processamento dessa modalidade sensorial.
O córtex somatossensorial primário é bastante organizado e cada neurônio recebe informação vinda de uma área específica do seu corpo, formando assim um mapa corporal, que a gente chama de mapa somatotópico.
Por exemplo, se você pressionar um campo receptivo localizado nessa região da sua pele, os receptores que inervam essa área, vão disparar potenciais de ação que serão conduzidos por uma via aferente específica, cujo destino final são os neurônios do córtex somatossensorial primário que representam o campo receptivo que você estimulou quando pressionou a sua pele. Quando os potencias de ação chegam nesses neurônios, você terá a percepção do toque na sua pele e será capaz de localizar onde o estímulo aconteceu.
Portanto, a localização de um estímulo sensorial que acontece no seu corpo, depende de qual campo receptivo foi ativado, pois cada campo receptivo está representado por neurônios específicos dentro do córtex somatossensorial primário.
Mas lembre-se que aqui eu apresentei apenas a codificação da localização das sensações do corpo, como exemplo. A codificação da localização de outros sentidos, como a localização visual e auditiva, tem suas particularidades que serão apresentadas em videoaulas específicas.
Bom, agora que você já tem uma ideia de como o sistema nervoso codifica a modalidade e a localização dos estímulos sensoriais, bora entender como é codificada a intensidade de um estímulo sensorial.
Pra isso, vamos usar um exemplo.
Se você olhar para esse estímulo luminoso, seus fotorreceptores vão converter essa informação sensorial em potenciais de ação os quais serão conduzidos por vias aferentes específicas, e ao chegar no córtex visual, você percebe que a luz não é tão intensa, certo?
Agora, e se eu aumentar a intensidade dessa luz? Novamente, seus receptores sensoriais irão converter essa informação em potenciais de ação que vão chegar lá no córtex visual, e você irá perceber que a luz está mais intensa.
E isso acontece pois, quanto maior é for a intensidade de um estímulo sensorial, maior será a amplitude do potencial receptor gerado pelo estímulo e, portanto, maior será a frequência de disparos de potenciais de ação na zona de gatilho, que no caso desse neurônio está localizada no primeiro nó de Ranvier.
Esses potencias de ação são então conduzidos pelo axônio do neurônio sensorial primário, e quando chegam na terminação do axônio, lembre-se, que a liberação de neurotransmissores será proporcional a frequência de potenciais de ação que chegam nessa terminação. Assim, o próximo neurônio da via aferente também receberá um forte estímulo e irá disparar potenciais de ação em alta frequência. Quando essa alta frequência de potenciais de ação chegar lá nos centros de processamento localizados no córtex cerebral, o estímulo será percebido como um estímulo de intensidade mais forte.
Portanto, podemos dizer que o sistema sensorial usa um código de frequência de potenciais de ação pra codificar a intensidade dos estímulos sensoriais. Quanto maior for a intensidade de um estímulo, maior será a frequência de potenciais de ação disparados nos neurônios sensoriais.
Mas além do código de frequência, o sistema sensorial pode usar o código populacional, pra codificar a intensidade dos estímulos sensoriais também.
"Como assim um código populacional?"
Imaginem que você está na beira de uma piscina prestes a dar um mergulho. Mas antes de pular com tudo, você coloca apenas o seu pé pra sentir a temperatura da água. Como não sentiu a água tão fria, resolve se jogar com tudo na piscina. Mas agora com todo o seu corpo dentro da água, você tem a sensação de que a água está muito mais fria do que quando você tinha colocado apenas o seu pé na água.
Isso acontece pois quando você colocou apenas o seu pé na água, apenas os receptores de frio localizados na pele do seu pé, foram ativados. Mas quando você se jogou na piscina, todos os receptores de frio da sua pele foram ativados, e de acordo com o código populacional, quanto maior o número de receptores ativados, maior será a intensidade de um estímulo sensorial. Portanto, o número de receptores sensoriais ativados também contribui pra codificação da intensidade de um estímulo sensorial.
Por fim, ainda resta saber como faz para codificar a duração de um estímulo sensorial.
E aí você pode pensar:
“É fácil né, quando eu coloco um estímulo sobre a minha pele, potenciais de ação são disparados e a sensação começa, e quando eu retiro esse estímulo, os disparos de potenciais de ação são finalizados e a sensação acaba."
Mas sinto lhe dizer que na fisiologia nada é tão simples assim, e a duração de um estímulo sensorial também vai depender de uma característica muito importante dos receptores sensoriais que é chamada de adaptação.
Vamos explicar essa característica usando um exemplo.
Antes de sair de casa, você passa o seu melhor perfume. E no momento que você passa o perfume, você sente um cheiro muito forte. Mas depois de alguns minutos, você nem sente mais o cheiro do perfume. Se outra pessoa se aproximar de você ela vai perceber o cheiro do perfume, mas se ela permanecer do seu lado por algum tempo, ela também vai deixar de sentir o cheiro do perfume.
Pergunta:
"por que isso acontece?"
Isso acontece pois os receptores olfatórios do seu nariz se adaptam, e se adaptam muito rápido.
"Como assim?"
Logo que você passa o perfume, o estímulo gera um potencial receptor nos seus receptores olfatórios, que disparam potenciais de ação os quais seguem pro córtex olfatório, e você sente o cheiro do perfume.
Mas reparem que nesse tipo de receptor, mesmo que o estímulo continue, depois um tempo o receptor não responde mais, isto é, mesmo na presença do estímulo ele não gera mais potenciais receptores e, portanto, não dispara mais potenciais de ação, ou seja ele se adapta. Sem potenciais de ação sendo disparados, o sinal não chega no córtex olfatório e você não percebe mais o cheiro.
Você só vai sentir o cheiro de novo, caso o estímulo altere a sua intensidade. Por exemplo, se você pegar a sua roupa e cheirar mais de perto, aí sim o receptor vai ser ativado novamente, por que houve uma alteração da intensidade do estímulo. Mas se você continuar estimulando os seus receptores olfatórios com essa mesma intensidade do estímulo, o receptor se adapta novamente e você não sente mais o cheiro. Esse tipo de receptor é chamado de receptor de adaptação rápida.
Outros receptores sensoriais se adaptam mais devagar ou mesmo nunca se adaptam, como é o caso dos nociceptores da pele.
Tente pressionar a sua mão até sentir uma leve dor. Quando você sentir dor, você vai tá ativando os nociceptores. Continue pressionando a sua mão sempre com a mesma força. Perceba que no início a dor é maior, mas com o tempo, mesmo pressionando a sua mão com a mesma intensidade, a dor parece diminuir pois vejam que a frequências de potenciais de ação vai diminuindo pouco a pouco com o passar o tempo. Porém, repare que os potenciais de ação continuam a ser disparados mesmo que com uma frequência menor, e por isso você ainda continua sentindo dor. Esse tipo de receptor a gente chama de receptor de adaptação lenta.
Portanto, lembre-se que a duração de um estímulo sensorial pode depender de como o receptor se comporta diante de um estímulo contínuo.
Outros exemplos de receptores de adaptação rápida e lenta serão abordados em videoaulas específicas.
Bom, finalizando este vídeo lembre-se que:
Pra cada propriedade dos estímulos sensoriais existe uma espécie de código que o sistema sensorial utiliza pra diferenciar essas propriedades de cada estímulo detectado pelos diferentes receptores sensoriais.
Portanto, mesmo que todos os estímulos sejam convertidos em potenciais de ação nos neurônios sensoriais primários, é possível diferenciar a modalidade, a localização, a intensidade e a duração dos mais diversos estímulos sensoriais.
Nesse vídeo falamos de modo geral sobre a codificação sensorial, portanto, todas as codificações que falamos aqui, salvo algumas exceções, vale pra todos os sistemas sensoriais, isto é, sistema somático, visual, auditivo, vestibular, olfatório e gustatório, os quais serão abordados com detalhes em videoaulas específicas.
Bom, se você ficou com alguma dúvida pode deixar aí nos comentários que a gente tenta responder, beleza? A gente se vê num próximo vídeo, abraço!


Sobre a autora
Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. Atualmente, é professora de fisiologia humana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a mente criativa por trás do MK Fisiologia.
Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando fisiologia. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana.



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