
[#2] ECG: ONDAS, SEGMENTOS E INTERVALOS
Este post é a transcrição da videoaula publicada em nosso canal do YouTube "[#2] ECG: ONDAS, SEGMENTOS E INTERVALOS".
TRANSCRIÇÕESSISTEMA CARDIOVASCULAR
Mirian Kurauti
1/31/202513 min read
Tá estudando o eletrocardiograma e ainda não entendeu o que significam as ondas, os segmentos e os intervalos observados nos registros da atividade elétrica do coração? Calma, não se desespere, porque nesse vídeo a gente vai explicar cada onda, cada segmento e cada intervalo do eletrocardiograma ou ECG.
E aí pessoal, tudo bem com vocês?
Pra quem tá chegando agora e ainda não me conhece, eu sou Mirian Kurauti, professora, mestre, doutora e criadora do canal MK Fisiologia, um canal que tem como principal objetivo descomplicar a fisiologia humana. Então, se você tá precisando entender de verdade a fisiologia, já se inscreve no canal e ative as notificações pra você não perder os próximos vídeos que a gente postar por aqui.
Agora, bora continuar descomplicando o eletrocardiograma ou ECG?
No vídeo anterior, a gente viu que, dependendo da localização do eletrodo de referência (eletrodo negativo) e do eletrodo de captação (eletrodo positivo) do eletrocardiógrafo, a despolarização e a repolarização que acontecem nas fibras cardíacas durante a condução de um potencial de ação no coração podem fazer o traçado do registro do eletrocardiograma subir e ficar mais positivo ou descer e ficar mais negativo.
Quando os eletrodos são colocados no braço direito, no braço esquerdo e na perna esquerda, obtemos inicialmente a atividade elétrica do coração em três direções ou derivações: as derivações I, II e III.
Embora os registros da atividade elétrica do coração nessas derivações não sejam idênticos, em praticamente todas essas derivações podemos observar um padrão que se repete.
Esse padrão se inicia com uma primeira onda pra cima, positiva, a onda P, registrada durante a despolarização dos átrios, seguida de um segmento praticamente sem alteração de voltagem, o segmento PQ ou PR. Esse segmento é registrado durante a despolarização do nó atrioventricular (NAV), feixe de His e fibras de Purkinje.
Uma observação aqui é que esse segmento é mais chamado de PR e não PQ, porque em algumas derivações a onda Q pode não ser observada, mas a próxima onda, a onda R, pode ser observada em praticamente todas as derivações.
Nas derivações I, II e III, a onda R é positiva e pode ser seguida de uma outra pequena onda negativa, a onda S.
Em conjunto, as ondas Q, R e S formam o que chamamos de complexo QRS, registrado durante a despolarização dos ventrículos, que acontece do septo interventricular pro ápice, ou seja, pra pontinha do coração, e desse ápice pra base do coração.
O complexo QRS é seguido por um outro segmento praticamente sem alteração de voltagem, o segmento ST. Esse segmento é registrado quando ambos os ventrículos tão completamente despolarizados.
Por fim, pra encerrar um ciclo cardíaco, ou melhor, pra encerrar um batimento cardíaco, o segmento ST geralmente é seguido por uma onda positiva, a onda T, registrada durante a repolarização dos ventrículos.
Então, quando analisamos o registro de um eletrocardiograma, a gente analisa essas ondas e esses segmentos pra verificar onde os potenciais de ação tão sendo gerados no coração, qual o ritmo da geração desses potenciais de ação e como esses potenciais de ação são conduzidos pelo coração. Porém, pra verificar tudo isso, ainda precisamos analisar os que chamamos de intervalos.
Nos registros de um eletrocardiograma, um intervalo nada mais é do que o tempo de duração de algum ou alguns eventos elétricos que acontecem no coração.
Por exemplo, o intervalo PR é o tempo de duração da onda P e do segmento PR, ou seja, esse intervalo representa o tempo entre o início da despolarização atrial e o início da despolarização ventricular.
Já o intervalo QT é o tempo de duração do complexo QRS, do segmento ST e da onda T, ou seja, esse intervalo representa o tempo entre o início da despolarização ventricular e o final da repolarização ventricular.
E o intervalo RR é o tempo de duração entre uma onda R de um batimento cardíaco e a onda R do próximo batimento cardíaco, ou seja, representa o tempo de duração de um batimento cardíaco e, por isso, esse intervalo pode ser usado pra calcular a frequência cardíaca, porque se eu sei o tempo de duração de um batimento cardíaco, eu posso calcular o número de quantos batimentos cardíacos que acontecem em um minuto.
Além desses intervalos, alguns livros ainda trazem um outro intervalo, o intervalo QRS, que representa apenas o tempo de duração da despolarização ventricular.
-Tá, professora, já entendi o que essas ondas, segmentos e intervalos representam. Mas como que eu analiso as possíveis alterações de cada onda, cada segmento e cada intervalo?
Então, meu jovem aprendiz de eletrocardiograma, pra conseguir analisar tudo isso, você vai precisar entender o porquê de cada traçado do eletrocardiograma considerado normal, pra depois tentar analisar as possíveis alterações que você pode encontrar em um paciente.
Então, bora entender os porquês de cada traçado do eletrocardiograma?
Pra entender os porquês de cada traçado, você precisa lembrar de uma regrinha que a gente explicou no vídeo anterior.
Lembra que quando não tem diferença de potencial elétrico, a voltagem é zero. Mas quando tem diferença de potencial elétrico, existe um dipolo, ou seja, dois polos, e o vetor desse dipolo sempre aponta pro lado que tem o maior potencial elétrico, ou seja, para o polo positivo do dipolo.
E aí se esse vetor do dipolo apontar pro eletrodo de captação, que é sempre o eletrodo positivo, o traçado do registro sobe, fica positivo; mas se esse vetor apontar pro eletrodo de referência, que é sempre o eletrodo negativo, o traçado do registro desce, fica negativo.
Então, agora vamos analisar esses vetores de despolarização e repolarização não apenas em quatro fibras cardíacas, mas em todas as fibras cardíacas do coração, e relacionar cada um desses vetores com o que acontece nos registros do eletrocardiograma.
Bom, durante a despolarização atrial, o potencial de ação gerado no nó sinoatrial (NSA) é conduzido do átrio direito pro átrio esquerdo, e o vetor do dipolo que acontece durante essa despolarização tá aqui nessa imagem em que eu coloquei o coração dentro do triângulo de Einthoven, que, como vimos no vídeo anterior, é formado pelos eletrodos colocados no braço direito, no braço esquerdo e na perna esquerda, dando origem aos registros das derivações I, II e III.
Lembre-se que esse vetor é, na verdade, o vetor médio de despolarização atrial, pois em cada momento da despolarização dos átrios, surge um vetor que varia tanto em direção como em tamanho, quanto maior for a força do campo elétrico do dipolo gerado na despolarização maior será o vetor. E aí, a gente pode pegar cada um desses vetores que surgem em cada momento da despolarização atrial e fazer uma média. E o resultado final é o vetor médio que a gente usa pra representar a direção e o tamanho do campo elétrico, ou melhor, o tamanho da voltagem gerada durante a despolarização atrial.
E agora eu pergunto: esse vetor médio da despolarização atrial tá apontando na direção dos eletrodos positivos ou negativos?
Presta atenção, o vetor médio da despolarização atrial tá apontando pra baixo e pra esquerda, mais ou menos na direção dos três eletrodos positivos, e é por isso que nessas três derivações é registrada uma onda P positiva. Porém, como a inclinação esse vetor tá mais próxima da inclinação do eixo da derivação II, a onda P é maior nessa derivação, pois lembre-se que a amplitude das ondas em cada derivação depende da inclinação do vetor, quanto mais próxima da inclinação do eixo de uma determinada derivação, maior será a amplitude da onda nessa determinada derivação, beleza?
Agora, finalizada a despolarização atrial, a onda P termina e o segmento PR começa. Nesse momento, a despolarização tá acontecendo no nó atrioventricular (NAV), no feixe de His e seus ramos direito e esquerdo, e nas fibras de Purkinje. Porém, como essa despolarização tá acontecendo em algumas poucas fibras localizadas bem no interior do coração, a diferença de potencial elétrico causada por essa despolarização praticamente não é detectada pelos eletrodos que tão na superfície da pele, e por isso não observamos uma onda nesse momento, apenas um segmento, o segmento PR.
Dos ramos esquerdo e direito do feixe de His e das fibras de Purkinje a despolarização chega finalmente nas fibras cardíacas, primeiro do septo interventricular. Isso porque, do ramo esquerdo do feixe de His surge uma pequena ramificação chamada de fascículo septal do ramo esquerdo, o qual vai despolarizando as fibras cardíacas do septo interventricular da esquerda pra direita, gerando assim um pequeno vetor de despolarização que aponta pra direita e um pouquinho pra baixo. Nessa direção o vetor de despolarização aponta pro eletrodo negativo da derivação I, e é por isso que nessa derivação podemos observar uma pequena onda negativa, a onda Q.
Já na derivação II, se a gente colocar a origem desse vetor de despolarização bem no centro do triângulo e traçar uma linha reta pra ver exatamente a inclinação desse vetor em relação a inclinação do eixo da derivação II, a gente percebe que a inclinação do vetor é praticamente perpendicular ao eixo da derivação II. Nesse caso, o vetor praticamente não aponta nem pro eletrodo negativo e nem pro eletrodo positivo e é por isso que praticamente não se observa nem onda negativa e nem onda positiva nessa derivação.
Mas é importante ter em mente que às vezes é possível aparecer uma “ondinha negativa”, uma “ondinha Q”, já que a posição exata do coração pode variar de pessoa pra pessoa e isso implica em pequenas variações na inclinação desse vetor que, se apontar mais na direção do eletrodo negativo da derivação II, pode gerar uma “ondinha Q”.
Já na derivação III, como o vetor aponta levemente pra baixo, na direção do eletrodo positivo dessa derivação, às vezes dá pra ver uma “ondinha positiva”, que alguns livros nem chamam de onda Q, porque ela não é negativa e por isso você pode encontrar por aí que na derivação III não se observa a onda Q.
Uma vez finalizada a despolarização do septo interventricular, a despolarização começa a se propagar pelas fibras cardíacas do septo pro ápice do coração, ou seja, pra pontinha do coração.
Agora, como a gente tá falado de uma despolarização de muito mais fibras cardíacas, a voltagem gerada vai ser maior, por isso o vetor médio dessa despolarização é maior e, consequentemente, a onda registrada vai ser maior.
Mas aí pergunto: essa onda vai ser positiva ou negativa?
Pensa comigo, pra onde o vetor médio da despolarização tá apontando?
Pra baixo e mais pra esquerda, mais ou menos na direção dos eletrodos positivos das três derivações, certo? Logo, a onda R é positiva nessas três derivações. Mas como a inclinação desse vetor tá mais próxima da inclinação do eixo da derivação II, é nessa derivação que a onda R vai ser maior.
Ah, e um detalhe interessante sobre a onda R na derivação III é que, embora ela comece positiva, ela termina negativa, ou seja, ela é uma onda bifásica, uma onda que tem duas fases, no caso, uma fase positiva que sobe, e outra fase negativa que desce.
Esse tipo de onda pode acontecer quando o vetor médio tá quase, mas não totalmente perpendicular ao eixo da derivação, como é o caso desse vetor médio de despolarização dos ventrículos que tá quase, mas não tá exatamente perpendicular ao eixo da derivação III e a onda R nessa derivação pode ser uma onda bifásica.
Outro detalhe interessante é que, ao mesmo tempo que a maior parte das fibras do ventrículo despolarizam, as fibras dos átrios repolarizam, só que como o número de fibras repolarizando é bem menor do que o número de fibras despolarizando, a onda que representaria o vetor médio da repolarização dos átrios não aparece no eletrocardiograma, pois a onda que representa a despolarização dos ventrículos é bem maior e sobrepõe a pequena onda que representaria a repolarização dos átrios.
Ainda continuando a despolarização dos ventrículos, lembre-se que a despolarização segue do ápice pra base e de dentro pra fora do coração, ou seja, do endocárdio pro epicárdio do coração. Por isso, o último vetor da despolarização aponta pra cima e levemente pra esquerda, apontando mais pros eletrodos negativos das derivações II e III, e é por isso que a onda S é negativa nessas derivações.
Já na derivação I é mais difícil ver a onda S, porque esse último vetor da despolarização tá praticamente perpendicular ao eixo dessa derivação, nem apontando pro eletrodo negativo e nem pro eletrodo positivo da derivação I.
Agora, finalizada a despolarização ventricular, todas as fibras cardíacas tão despolarizadas, a onda S termina e o traçado do eletrocardiograma volta pra voltagem próxima de zero, dando início ao segmento ST, que representa esse momento de despolarização completa dos ventrículos.
Mas agora, tá na hora de repolarizar esses ventrículos.
Lembra que eu falei que a despolarização acontece de dentro pra fora do coração, ou melhor, do endocárdio pro epicárdio? Então, provavelmente a repolarização acontece assim também, né, do endocárdio pro epicárdio, certo?
Errado, as primeiras fibras cardíacas ventriculares a iniciar a repolarização são as fibras mais próximas do epicárdio. Os ventrículos repolarizam de fora pra dentro do coração.
-Ué, professora, como assim?
Presta atenção que a duração da fase de platô dos potenciais de ação das fibras cardíacas não é tudo igual.
Observe aqui nessa imagem que mostra os potenciais de ação do nó sinoatrial, músculo atrial, nó atrioventricular, feixe de His e seus ramos direito e esquerdo, fibras de Purkinje e músculo ventricular. Percebam que antes mesmo das fibras mais internas começarem a repolarização, as fibras mais externas começam a repolarização primeiro porque a duração da fase de platô do potencial de ação é menor.
Dessa forma, os ventrículos repolarizam de fora pra dentro e do ápice pra base, e o vetor da repolarização dos ventrículos então aponta pra baixo e um pouco pra esquerda, na direção dos eletrodos positivos das derivações I e II, e é por isso que a onda T nessas derivações é positiva.
-Professora, e na derivação III que não tem onda T nem positiva e nem negativa? O que que tá acontecendo?
Presta atenção na inclinação do vetor de repolarização dos ventrículos, ele é perpendicular ao eixo da derivação III e não tá apontando nem pro eletrodo positivo, e nem pro eletrodo negativo, isso quer dizer que não tá ficando nem mais positivo e nem mais negativo, e a voltagem registrada fica próximo de zero. Por isso, nessa derivação, pode ser difícil observar a onda T, como nesse exemplo.
Mas lembre-se que é possível observar sim uma “ondinha positiva T”, e isso vai depender da posição exata do coração que pode variar de pessoa pra pessoa.
Por fim, depois da repolarização dos ventrículos, tudo tá polarizado novamente, não tem mais diferença de potencial elétrico pra ser registrado pelo eletrocardiógrafo, e a voltagem volta pra próximo de zero em todas as derivações, aguardando o início de um novo potencial de ação que será gerado no nó sinoatrial pra iniciar mais uma onda P.
Bom, então até aqui a gente tentou entender o porquê de cada traçado dos registros em três derivações diferentes. E espero que você tenha pelo menos entendido que se uma determinada onda vai ser positiva ou negativa em uma determinada derivação, isso depende dos vetores de despolarização e repolarização dos átrios e dos ventrículos.
E se você entendeu isso, você vai conseguir entender o porquê de cada traçado dos registros, não apenas dessas três derivações, mas das 12 derivações do eletrocardiograma.
Sim, 12 derivações, e até aqui a gente só falou de 3 derivações. Por isso, no próximo vídeo a gente fala mais dessas 3 e das outras 9 derivações eletrocardiográficas.
Bom, então resumindo tudo que a gente viu nesse vídeo, lembre-se que:
A onda P representa a despolarização atrial; o segmento PR representa a despolarização do nó atrioventricular, feixe de His e fibras de Purkinje; as ondas Q, R e S que formam o complexo QRS representam a despolarização ventricular; o segmento ST representa o momento em que os ventrículos tão completamente despolarizados, e a onda T representa a repolarização ventricular.
Já o intervalo PR representa o tempo entre o início da despolarização atrial e o início da despolarização ventricular; o intervalo QT representa o tempo entre o início da despolarização ventricular e o final da repolarização ventricular, e o intervalo RR representa o tempo de duração de um batimento cardíaco.
Por fim, mas não menos importante, lembre-se que pra entender o porquê de cada traçado dos registros do eletrocardiograma em cada derivação, a gente precisa analisar os vetores de despolarização e repolarização que surgem durante um batimento cardíaco.
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A gente se vê num próximo vídeo. Abraço!


Sobre a autora
Mirian Ayumi Kurauti é apaixonada pela fisiologia humana, com uma trajetória acadêmica admirável. Ela se formou em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez mestrado e doutorado em Biologia Funcional e Molecular com ênfase em Fisiologia na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ainda atuou como pesquisadora de pós-doutorado na mesma instituição. Além disso, já lecionou fisiologia humana na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e biologia celular na UEL. A sua última experiência como professora de fisiologia humana foi na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Fundadora da MK Educação Digital Ltda (MK Fisiologia), atualmente, Mirian é a mente criativa por trás de todos os conteúdos publicados nas redes sociais da empresa.
Apaixonada pela docência, Mirian adora dar aulas de fisiologia humana, mas de um jeito mais descontraído e se diverte muito ensinando. Ela está sempre buscando aprender algo novo não só sobre fisiologia, mas sobre qualquer coisa sobre a vida, o universo e tudo mais. Por isso, é uma consumidora compulsiva de conteúdos de divulgadores científicos. Nas horas vagas, você pode encontrá-la na piscina, treinando e participando de competições de natação. Para Mirian, a vida só tem graça, se ela tiver desafios a serem superados. Hoje, o seu maior desafio é ajudar o maior número de estudantes a entender de verdade a fisiologia humana, principalmente através de suas videoaulas publicadas no canal do YouTube MK Fisiologia.



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